Ensaio Sobre a Lucidez - José Saramago

"Os humanos são universalmente conhecidos como os únicos animais capazes de mentir, sendo certo que se às vezes o fazem por medo, e às vezes por interesse, também às vezes o fazem porque perceberam a tempo que essa era a única maneira ao seu alcance de defenderem a verdade.”

"Talvez, antes de ti, o teu corpo saiba já que vão te matar."

"A isto pode ser reduzida a tão badalada suprema dignidade da pessoa humana, afinal tanto como um papel molhado."

"Em toda a verdade humana há sempre algo de angustioso, de aflito, nós somos, e não estou a referir-me simplesmente à fragilidade da vida, somos uma pequena e trêmula chama que a cada instante ameaça apagar-se, e temos medo, acima de tudo temos medo."

"Sempre chega a hora em que descobrimos que sabíamos muito mais do que antes julgávamos..."

"Sentiu a nostalgia da capital, do tempo feliz em que os votos eram obedientes ao mando, do monótono passar das horas e dos dias entre a pequeno-burguesa residência oficial dos chefes de governo e o parlamento da nação, das agitadas e não raras vezes joviais crises políticas que eram como fogachos de duração prevista e intensidade vigiada, quase sempre a fazer de conta, e com as quais se aprendia, não só a não dizer a verdade como fazê-la coincidir, ponto por ponto, quando fosse útil, com a mentira, da mesma maneira que o avesso, com toda a naturalidade é o outro lado do direito."

"O incompreensível pode ser desprezado, mas nunca o será se houver maneira de o usarem como pretexto."

"Que monstruosas coisas é capaz de gerar o cérebro..."

"As verdades há que repeti-las muitas vezes para que não venham, pobres delas, a cair no esquecimento."

"O cão tinha se aproximado quase a tocar com o focinho os joelhos do comissário. Olhava para ele e os seus olhos diziam, Não te faço mal, não tenhas medo, ela também não o teve naquele dia. Então o comissário estendeu a mão devagar e tocou-lhe na cabeça. Apetecia-lhe chorar, deixar que as lágrimas lhe escorregassem pela cara abaixo, talvez o prodígio se repetisse. A mulher do médico guardou o livro na bolsa e disse, Vamos, Aonde, perguntou o comissário, Almoçará conosco se não tem nada mais importante que fazer, Tem a certeza, De quê, De querer sentar-me à sua mesa, Sim, tenho a certeza, E não tem medo de que eu esteja a enganá-la, Com essas lágrimas nos olhos, não."

"Aprendi neste ofício que os que mandam não só não se detêm diante do que nós chamamos absurdos, como se servem deles para entorpecer as consciências e aniquilar a razão."

"Nascemos, e nesse momento é como se tivéssemos firmado um pacto para toda a vida, mas o dia pode chegar em que nos perguntemos Quem assinou isto por mim."

"Há que ter o máximo de cuidado com aquilo que se julga saber, porque por detrás se encontra escondida uma cadeia interminável de incógnitas, a última das quais, provavelmente, não terá solução."

Deus é Inocente - Zeca Martins

“Programas de rádio e TV abordando as mais variadas interpretações das escrituras não nos faltam. (...) Aplicando as técnicas cenográficas tão brilhantemente desenvolvidas para os shows do dia a dia mundano, aproveitou-se, é óbvio e decorrente, para criar os respectivos garotos-propaganda, como, por exemplo, uma bispa evangélica bonitona ou um padre caricato que leva milhões de pessoas (e reais) aos seus cultos e, de quebra, garante a audiência de outros tantos milhões em favorecimento do apetite de faturamento de grandes redes de televisão.”

“Sabemos que os deuses e semideuses gregos representam exuberantes alegorias sobre os fenômenos naturais (deus dos oceanos, deusa da agricultura, etc.) ou características humanas (deus do amor, deusa da beleza, etc.). Estes deuses, portanto, só existiam como concepção humana. (...) E o mesmo se deu com todos os outros povos, alguns dos quais conseguiram fazer com que suas mitologias sobrevivessem vigorosas até os dias atuais.”

“Religião, obscurantismo e mito rendem espetáculo, audiência e fortuna. Razão e filosofia não dão nada disso.”

“Veja o caso das infindáveis interpretações dadas a Deus. Em seu nome, pessoas foram salvas e pessoas foram mortas; fez-se a guerra e promoveu-se a paz; fez-se a miséria de muitos e a riqueza de uns poucos. E tudo isso, nunca é demais repetir, em nome de Deus, a entidade suprema, infinita no tempo e no espaço e que, singelamente, poderíamos identificar como a Existência em si mesma. Este mesmo Deus, cuja essência, ao longo dos séculos, vem sendo repetida e indevidamente apropriada por profetas, visionários, bem-intencionados, mal-intencionados, empresários da fé, malucos e vigaristas em geral. E pelos meios de comunicação, no final das contas.”

“Mas, sem o menor medo de errar, posso afirmar que você é o que você entende do mundo que o cerca. Explico: quantas vezes você já se perguntou sobre as razões que o fazem, ou a fazem, entender ou gostar de uma variedade de coisas diferentemente de qualquer outra pessoa? De que modo, no final das contas, você permite que o mundo se comunique com você? Quais portas da sua mente ou do seu coração você deixa abertas às novas experiências e sensações?”

“O antagonismo bem versus mal é indispensável para o êxito desta manipulação ideológica.”

“Muda-se a percepção, muda-se a realidade.”

“Nada contra defender-se idéias, mas tudo contra empurrá-las goela abaixo do alheio.”

“Por reprimir a priori qualquer manifestação espontânea de pensamento que nos pareça de alguma forma estranha, matamos impiedosamente o que poderia vir a ser um raciocínio altamente criativo.”

“Nunca vendemos produtos a quem o consumidor é, mas a quem ele quer ser. (...) A casa mostra quem o consumidor é; o carro, quem ele quer ser.”

“A comunicação é de massa. A massa é unanimidade. E unanimidade é burra.”