“Tudo está ao alcance do homem e ele deixa isso escapar só por medo...”
“Acontecem certos encontros com pessoas que desconhecemos inteiramente, por quem começamos a nos interessar à primeira vista, como que de repente, súbito, antes que articulemos uma palavra.”
“Quando frequentava a universidade, costumava parar – mais amiúde quando voltava para casa, e talvez o tivesse feito umas cem vezes – precisamente nesse lugar, e ficar perscrutando o panorama realmente magnífico e sempre chegando quase a surpreender-se com uma impressão vaga e sem solução. Um frio inexplicável sempre lhe vinha desse panorama magnífico; para ele esse quadro esplêndido era pleno de um espírito mudo e surdo... Sempre se admirava de sua expressão soturna e enigmática, e deixava para decifrá-la no futuro por não confiar em si mesmo. Agora se lembrava súbita e bruscamente dessas suas questões e perplexidades antigas, e lhe pareceu que não estava se lembrando delas por acaso. (...) Senti-a se mesmo quase ridículo, e ao mesmo tempo experimentava no peito uma pressão que chegava a provocar dor. Em algum ponto profundo, lá embaixo, que mal avistava sob os pés, apareciam-lhe agora todo aquele passado de antes, e os pensamentos de antes, e as tarefas de antes, e os temas de antes, e as impressões de antes, e todo esse panorama, e ele mesmo, e tudo, tudo... Parecia que ele havia voado para algum ponto no alto e que tudo desaparecera de sua vista... (...) depois, deu meia volta e foi pra casa. Teve a impressão de que naquele momento ele mesmo se havia amputado de tudo e de todos.”
“Todos nós, e com bastante frequência, agimos quase como loucos, apenas com a pequena diferença de que os ‘doentes’ são um pouco mais loucos que nós, porque nesse caso é necessário distinguir o limite. Já o indivíduo harmonioso, e isso é verdade, quase não existe; em dezenas, e talvez até em muitas centenas encontremos um, e ainda por cima em espécimes bastante fracas.”
“É só na minha idéia central em que acredito. Ela consiste precisamente em que os indivíduos, por lei da natureza, dividem-se geralmente em duas categorias: uma inferior (a dos ordinários), isto é, por assim dizer, o material que serve unicamente para criar seus semelhantes; e propriamente os indivíduos, ou seja, os dotados de dom ou talento para dizer em seu meio a palavra nova. Aqui as subdivisões, naturalmente, são infinitas, mas os traços que distinguem ambas as categorias são bastante nítidos: em linhas gerais, formam a primeira categoria, ou seja, o material, as pessoas conservadoras por natureza, corretas, que vivem na obediência e gostam de ser obedientes. A meu ver, elas são obrigadas a ser obedientes porque esse é o seu destino, e nisso não há decididamente nada de humilhante para elas. Formam a segunda categoria todos os que infringem a lei, os destruidores ou inclinados a isso, a julgar por suas capacidades. Os crimes desses indivíduos, naturalmente, são relativos e muito diversos. Em sua maioria eles exigem, em declarações bastante variadas, a destruição do presente em nome de algo melhor. (...) A primeira categoria é sempre de senhores do presente, a segunda, de senhores do futuro.”
“Mas leve em consideração que o erro é possível mas só por parte da primeira categoria, ou seja, das pessoas ordinárias (como eu as denominei talvez de modo muito falho). Apesar da sua vocação congênita para obedecer, por certa brejeirice da natureza, que não se pode negar nem a uma vaca, muitas delas gostam de imaginar-se como pessoas avançadas, ‘destruidoras’, de meter-se a portadoras da ‘palavra nova’, e o fazem com absoluta sinceridade. Ao mesmo tempo e com bastante frequência não notam e até desprezam as pessoas efetivamente novas por acharem que são atrasadas e pensam de modo humilhante.”
“Em linhas gerais, as pessoas de pensamento novo, mesmo aquelas com um mínimo de capacidade para dizer ao menos alguma coisa nova, nascem em número inusitadamente baixo, até estranhamente baixo. (...) Talvez em cada dez mil nasça um (falo em termos aproximados, evidentemente) com autonomia mais ampla. Dos indivíduos geniais nasce um entre milhões, e dos grandes gênios, os que dão acabamento à humanidade, nasce um após a passagem de muitos milhares de milhões na face da Terra. Numa palavra, não dei uma olhada na retorta em que tudo isso acontece. Mas existe forçosamente e deve existir certa lei: Aqui não pode haver acaso.”
“– (...) Se a gente convence logicamente uma pessoa de que ela, em essência, não tem que chorar, ela deixa de chorar. Isso é claro. Você não acha que deixa?
– Neste caso seria fácil demais viver.”
“E se ele ainda não estava acamado e com febre de verdade, isso, talvez, era justamente porque esse desassossego interior e contínuo ainda o mantinha de pé e consciente, se bem que de modo meio artificial, provisório.”
“Nela ele procurara um ser humano quando estava precisando de um ser humano; daí que ela o acompanharia aonde o destino mandasse.”