Um Doador Universal - Fernando Sabino

“Antes que seja tarde: acabo desperdiçando esse sangue meu por aí, em algum desastre. Ou então morro e ninguém aproveita. Já imaginou quanto sangue desperdiçado por aí nos que morrem?
– E nos que não morrem – limitei-me a acrescentar.”

A História Sem Fim - Michael Ende

“Quando chegar a sua vez de saltar para o Nada, você se transformará também num servidor do poder, desfigurado e sem vontade própria. Quem sabe para o que vai servir. E possível que, com sua ajuda, se possam convencer os homens a comprar o que não necessitam, a odiar o que não conhecem, a acreditar no que os domina ou a duvidar do que os podia salvar.”

“Podemos estar convencidos durante muito tempo – anos talvez – de que queremos alguma coisa, se soubermos que nosso desejo é irrealizável. Porém, se de súbito nos vemos diante da possibilidade de este desejo ideal se transformar em realidade, passamos a desejar apenas uma coisa: nunca tê-lo desejado.”

“Vejo agora que minha morte origina a vida e minha vida a morte, e ambas as coisas estão certas. Agora percebo o sentido da minha existência.”

“– O que eu não compreendo é outra coisa, tentou explicar Bastian. Todas essas coisas só aparecem quando eu formulo algum desejo, ou já existiam e eu apenas pressinto, de alguma forma, sua existência?
– As duas coisas, disse Graograman.”

“– É estranho que não possamos desejar aquilo que queremos. De onde virão os desejos? E o que será realmente um desejo? Graograman olhou o rapaz com ar sério, mas não respondeu.”

“– O que significa isso? Faça o que quiser. Deve querer dizer que posso fazer tudo o que me apetecer, você não acha?, perguntou ele. O rosto de Graograman pôs-se de repente muito sério e seus olhos começaram a faiscar.
– Não, disse ele com sua voz profunda e retumbante. Isso quer dizer que deve fazer sua Verdadeira Vontade. E nada é mais difícil do que isso.
– Minha Verdadeira Vontade?, repetiu Bastian, impressionado. E o que significa isso?
– É o seu segredo mais profundo, que o senhor não conhece.
– Então como poderei descobri-lo?
– Seguindo o caminho dos desejos, passando de um para outro até o último. Assim será conduzido até sua Verdadeira Vontade.
– Não me parece muito difícil, opinou Bastian.
– É o mais perigoso de todos os caminhos, disse o leão.
– Por quê?, perguntou Bastian. Eu não tenho medo.
– Não se trata disso, ribombou a voz de Graograman. Esse caminho exige a maior autenticidade e atenção, porque em nenhum outro é tão fácil perder-se para sempre.
– Quer dizer que os desejos que temos nem sempre são bons?, perguntou Bastian.
O leão bateu com a cauda na areia. Levantou as orelhas, franziu o focinho, e os seus olhos cuspiam fogo. Bastian encolheu-se involuntariamente quando Graograman disse, numa voz que fez vibrar o chão:
– E o que o senhor sabe sobre os desejos? O que sabe sobre o que é bom ou não é?"

“Mas há muitas coisas que não se aprendem só pensando, é preciso vivê-las. E foi assim que só muito mais tarde, depois de ter tido a experiência vivida dessas coisas, Bastian recordou-se das palavras de Graograman e começou a compreendê-las.”

“Os monstros, opinou Hykrion, afagando o seu enorme bigode negro, são indispensáveis para que um herói possa ser um herói.”

Ser Feliz - Will Ferguson

“‘Ser feliz não é normal?’
‘Não, não é. Eu edito livros de auto-ajuda. Pode acreditar em mim, eu sei. Todo mundo está procurando alguma coisa e a questão é que essa coisa nunca é encontrada. Todo mundo precisa de ajuda. Ou no mínimo pensa que precisa.’”

“Toda a nossa economia foi construída sobre as fraquezas humanas, sobre maus hábitos e inseguranças. Moda. Lanches rápidos. Carros esporte. Engenhocas tecnológicas. Acessórios para sexo. Centros de dieta. Clubes de homens carecas. Pequenos anúncios. Seitas religiosas esquisitas. Times esportivos profissionais. Salões de cabeleireiro. Crises do homem na meia-idade. Extravagâncias de compras. Todo o nosso estilo de vida é construído sobre falta de autoconfiança e insatisfação. Pense no que aconteceria se as pessoas fossem realmente felizes, felizes mesmo. Realmente satisfeitas com a própria vida. Seria uma catástrofe.”

“Era como se todo mundo quisesse ser levado na conversa. Era como se preferissem que a ilusão fosse a realidade.”

House e a Filosofia - William Irwin; Henry Jacoby

“Somos todos animais egoístas, vis, rastejando pela Terra. Como temos miolos, esforçamo-nos e às vezes aspiramos a algo que não seja totalmente malévolo. Palavras de Gregory House.”

“'Pois você pode me dizer que tem fé em Deus para viver o dia, mas na hora de atravessar a rua, tenho certeza de que olha para os dois lados'. House está enfatizando a questão de que a fé pode proporcionar conforto ou nos fazer sentir bem, mas as questões práticas requerem razão e evidência.”

“O grande filósofo britânico Bertrand Russel (1872-1970) descreveu o valor desse estilo de vida e o valor da filosofia em geral: A filosofia deve ser estudada não para encontrar respostas definitivas às suas perguntas, uma vez que, via de regra, nenhuma resposta definitiva pode ter a garantia da certeza, mas sim pelas perguntas em si. Pois tais perguntas ampliam nossa concepção do que é possível, enriquecem nossa imaginação intelectual e diminuem a certeza dogmática que fecha a mente à especulação.”

“A primeira razão pela qual as pessoas despertam em nós sentimentos negativos é que elas representam obstáculos potenciais à nossa liberdade.”

“Temos tanto horror à nossa liberdade quanto fascínio por ela, somos tão ansiosos antes a falta de sentido quanto animados pela perspectiva de criá-lo, e temos tanto medo da vida quanto da morte.”

“Claro que ele quer estar certo. Todo mundo quer. Ele provavelmente diria que é mais franco quanto a isso do que as pessoas que valorizam a humildade.”

“O diálogo de ‘DRN’ sugere que ‘o que é certo’ não é uma questão de compreender o que é certo. Em outras palavras, não descobrimos o que é certo pensando ou acreditando, nem analisando. O certo, pelo contrário, é algo que fazemos ou realizamos. Mais que isso, o certo é descoberto somente por meio da ação e reconhecido apenas como resultado dela. Portanto, o que alguém pensa que é correto ou incorreto importa menos que realizar as ações corretas.”

“Acreditar que nossa teoria é a melhor possível, sem examinar muito bem todas as evidências, é a pior venda que podemos colocar nos olhos. O melhor guia nas mudanças que ocorrem na vida é nossa habilidade para refletir até chegar a novas conclusões, quando enfrentamos contradições ou ignorância. Mas, para usarmos a razão da maneira apropriada, precisamos antes perceber que há algo que não sabemos.”

“House está dizendo a Foreman que a dúvida só impede uma pessoa de fazer algo que a ajude a encontrar a verdade. Precisamos aceitar o risco de estarmos errados, se quisermos estar certos! Se descartarmos nossa melhor hipótese ao primeiro sinal de problema, jamais iremos a lugar algum com nossas opiniões, porque sempre existirão alguns elementos não explicados...”

“É por isso que, quando temos uma hipótese baseada naquilo que pensamos saber, precisamos que os outros nos desafiem, que nos interroguem. Precisamos ser questionados para descobrir se partimos da suposição errada, se usamos evidências suficientes para sustentar nossa conclusão, ou se escolhemos nossa hipótese com base em preconceitos pessoais inaceitáveis – mas, talvez, imperceptíveis.”

“Como podemos ter certeza de que sabemos dos fatos? Frequentemente, nossas crenças estão tão enraizadas em nosso modo de pensar que nem sequer as notamos.”

“Assim como Sócrates e House, precisamos que as pessoas nos forcem a nos confrontar com nós mesmos. Se os outros concordam conosco ou concordam em ‘discordar de nós’ para não nos envolver num debate, permanecemos confinados em nossa pequena realidade.”

“A originalidade é algo que as mentes não originais não conseguem ver como útil. Não conseguem ver do que ela é capaz: e como poderiam? Se pudessem ver do que ela é capaz, não seria originalidade. O primeiro serviço que a originalidade tem a lhes prestar é abrir-lhe os olhos: se isso fosse feito, elas teriam uma chance de ser o que são, originalmente. Enquanto isso, recordando que nada jamais foi feito sem que alguém o fizesse pela primeira vez, e que todas as coisas boas que existem são frutos da originalidade...”

“Nesta era, o mero exemplo de não-conformidade, a mera recusa em se ajoelhar diante do costume, é em si um serviço. Justamente porque a tirania da opinião reprova a excentricidade é que as pessoas devem ser excêntricas. A excentricidade sempre existiu em abundância quando e onde a força do caráter assim também existia; e o nível de excentricidade em uma sociedade costuma ser proporcional ao gênio, do vigor mental e da coragem moral nela contidos. O fato de tão poucos ousarem hoje ser excêntricos assinala o principal problema de nossos tempos.”

“Apesar de egomaníaco, House se importa mais com a verdade do que em saber que sempre está certo.”

A Hora da Estrela - Clarice Lispector

“A verdade é sempre um contato interior inexplicável. A minha vida a mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a signifique.”

“Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isso é ser uma pessoa?”

“É que ‘quem sou eu’ provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.”

“Cada dia é um dia roubado da morte.”

“Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. Mas preparado estou para sair discretamente pela porta dos fundos. Experimentei quase tudo, inclusive paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui."

“E quando acaricio a cabeça de meu cão – sei que ele não exige que eu faça sentido ou me explique.”

“Que os mortos me ajudem a suportar o quase insuportável, já que de nada me valem os vivos.”

“Fatos são pedras duras. Não há como fugir. Fatos são palavras ditas pelo mundo.”

“Pois há momentos em que a pessoa está precisando de uma pequena mortezinha e sem nem ao menos saber.”

“A vida é um soco no estômago.”

“A morte é um encontro consigo.”

Poesia Completa de Álvaro de Campos - Fernando Pessoa

“Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei-de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca, propriamente reparei
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço a mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.”

“Ó raiva que como uma febre e um cio e uma fome
Me põe a magro o rosto e me agita às vezes as mãos
Em crispações absurdas em pleno meio das turbas
Nas ruas cheias de encontrões!”

“Chove muito, chove excessivamente...
Chove e de vez e quando faz um vento frio...
Estou triste, muito triste, como se o dia fosse eu.

Num dia no meu futuro em que chova assim também
E eu, à janela, de repente me lembro do dia de hoje,
Pensarei eu ‘ah nesse tempo eu era mais feliz’
Ou pensarei ‘ah, que tempo triste foi aquele’!
Ah, meu Deus, eu que pensarei deste dia nesse dia
E o que serei, de que forma; o que me será o passado que é hoje só presente?

O ar está mais desagasalhado, mais frio, mais triste
E há uma grande dúvida de chumbo no meu coração...”

“E nem choro, de atento que estou ao terror da vida.”

“Eu quem sou para que chore e interrogue?
Eu quem sou para que te fale e te ame?
Eu quem sou para que me perturbe ver-te?”

“E que dor é esta, do antigo e do atual e do futuro,
Que dói na alma como uma sensação de exílio?”

“E os meus versos são como ideias que podem não ser compreendidas...”

“Eu nunca farei senão copiar um eco das coisas,
O reflexo das coisas reais no espelho baço de mim.”

“Ó coração por sarar! quem me salva de ti?”

“O braço não alcança mais do que a mão pode conter,
O olhar não atravessa os muros da sombra,
O coração não sabe desejar o que deseja,
A vida erra constantemente o caminho para a vida.”

“Ser sincero contradizendo-se a cada minuto,
Desagradar a si próprio pela plena liberdade de espírito...”

“E isso tudo, que é tanto, é pouco para o que eu quero.”

“Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
E preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas...”

“Não sei sentir, não sei ser humano, conviver
De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser quotidiano, nítido”

“Vem para mim, ó noite, estende para mim as mãos,
E sê frescor e alívio, ó noite, sobre a minha fronte...”

“Perante esta única realidade terrível – a de haver uma realidade.”

“Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?”

“Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro –
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro
Seria insensivelmente levado a ser outro também.”

“Deixem-me ao menos ter sono;
Quem sabe que mais terei?”

“Ora, até que enfim..., perfeitamente...
Cá está ela!
Tenho a loucura exatamente na cabeça.”

“Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
– Todas aquelas de que me arrependo e me culpo –;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não me sucederam
– Todas aquelas de que me arrependo e me culpo –;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.”

“Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!”

“Eu que me aguente comigo e com os comigos de mim...”

“Não! Só quero a liberdade!
Amor, glória, dinheiro são prisões.
Bonitas salas? Bons estofos? Tapetes moles?
Ah, mas deixem-me sair para ir ter comigo.
Quero respirar o ar sozinho,
Não tenho pulsações em conjunto,
Não sinto em sociedade por quotas,
Não sou senão eu, não nasci senão quem sou, estou cheio de mim.”

“Volta amanhã, realidade!
Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente absoluto!
Mais vale não ter que ser assim.”

“Sossega, coração inútil, sossega!
Sossega, porque nada há que esperar,
E por isso nada que desesperar também...”

“Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.”

“O horror sórdido do que, a sós consigo,
Vergonhosa de si, no escuro, cada alma humana pensa.”

“Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.”

“Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.”

“Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado não sei.
De nada me serviria sabê-lo
Pois o cansaço ficaria na mesma,
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto –
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma tranquilidade lúcida
Do entendimento retrospectivo...”

O Jogo das Contas de Vidro - Hermann Hesse

“Admitamos que existe liberdade, mas que ela se limita à escolha da profissão. Depois disso acabou-se a liberdade. Desde os estudos feitos na universidade, o médico, o advogado, o técnico estão presos a um currículo escolar muito rígido, que termina com uma série de exames. Caso eles passem nos exames, recebem seu diploma e poderão exercer sua profissão com aparente liberdade. Serão porém escravos de poderes baixos, vão depender do sucesso, do dinheiro, do seu orgulho, da procura da fama, da simpatia ou antipatia que despertarão nos outros. Têm que se candidatar a eleições, ganhar dinheiro, tomar parte na luta brutal das castas, das famílias, dos partidos e dos jornais. Em compensação, têm a liberdade de obter sucesso e fortuna e ser odiados pelos que não os tiveram, ou vice-versa.”

“– Creio que nunca observei como ela é linda – disse o companheiro de José. – Pois é, isso talvez aconteça porque eu a vejo pela primeira vez como uma coisa que tenho de deixar e da qual preciso despedir-me.”

“Não vás rir de mim, mas esses meninos que partiram têm para mim, apesar de tudo, algo de imponente, assim como o anjo rebelde Lúcifer tem certa grandiosidade. Talvez tenham feito uma coisa errada, podemos admitir que cometeram um erro, mas, seja como for, fizeram alguma coisa, realizaram algo, ousaram dar um salto e é preciso coragem para isso. (...) Isso significa a possibilidade de abandonar qualquer coisa, levar as coisas a sério, ora... dar um salto! Eu não tenho desejo de dar um salto para voltar ao meu antigo lar e à minha antiga vida, eles não me atraem, eu quase os esqueci. Mas gostaria, quando chegar a hora e for necessário, desapegar-me também e saltar, não para voltar a um estado inferior, mas para a frente e para cima.”

“Bem te recordas como eu criticava a presunção e a jactância dos castálicos, dessa casta efeminada e convencida, com seu espírito de privilégio e soberbia da elite. Pois bem, a gente do mundo com seus maus modos, sua cultura reduzida, seu humor grosseiro e barulhento, sua limitação tola a fins práticos e egoístas não era menos orgulhosa.”

“Se os demais tinham sido indiferentes comigo, esse desapontamento contigo foi muito pior, esse esforço inútil e forçado por uma amizade que existira um dia foi-me muito mais doloroso.”

“– Muitas vezes – disse ele resignado – tudo se afigura não só como se tivéssemos duas maneiras diferentes de exprimir-nos e falar, cada uma delas só podendo ser traduzida na outra na forma de insinuações, porém, mais ainda, como se fôssemos dois seres absoluta e radicalmente distintos, que jamais poderão chegar a se entender mutuamente. Parece-me extremamente duvidoso apurar quem de nós dois seria propriamente o ser humano, autêntico e de pleno direito, tu ou eu, se é que um dos dois o é realmente.”

“A ventania que precede um temporal prestes a desabar, que nos leva apressadamente para casa e que tenta arrancar-nos das mãos a porta da frente, ou uma forte dor de dentes que parece concentrar em nossas maxilares todas as tensões, sofrimentos e conflitos do universo, são coisas cuja realidade ou importância nós poderemos depois discutir, se é que nos inclinamos a este tipo de ocupação, mas que na hora da experiência concreta não toleram a menor sombra de dúvida, pois estão arrebentando de realidade.”

“Também ficara sabendo por experiência própria que os doentes ou infelizes preferem as inovações mágicas e os exorcismos, tradicionais ou recém-inventados, a sábios conselhos; que o homem prefere ser atingido pela desgraça ou praticar penitência pública a transformar-se interiormente, ou mesmo a fazer um exame de consciência; que acredita mais facilmente em feitiços do que na razão, em exorcismos mais que na experiência: coisas essas que, conforme parece, nos milênios que decorreram desde então, não mudaram tanto como pretendem muitos tratados de História.”

“Nada mais desejava a não ser calma, a não ser um fim, nada mais desejava além de fazer cessar a rotação dessa roda, esse infindável desfilar de imagens, suprimindo-os. Desejava alcançar a paz interior, desejava desaparecer...”

Lisbon Revisited (1923) - Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Não: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) –
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul – o mesmo da minha infância –
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

19 de agosto de 2010

3 anos de fragmentos.

O Livro das Religiões - Victor Hellern, Henry Notaker, Jostein Gaarder

“Cada um de nós tem uma visão da vida. A questão é: até que ponto fomos nós mesmos que a escolhemos, até que ponto ela é nossa própria visão? Até que ponto estamos conscientes de nossa visão?”

“A religião é um sentimento ou uma sensação de absoluta dependência. Friedrich Schleiermacher (1768-1834)

“Nós, seres humanos, muitas vezes nos comportamos como crianças; estamos mais interessados no dedo que aponta do que naquilo que ele mostra.”

Contos de Horror do Século XIX

“É muito mais fácil pronunciar a palavra loucura do que encontrar explicações para certas coisas que se passam na Terra!” (A Mulher Alta – Pedro Antonio de Alarcón)

“Mesmo discutida cem vezes, a realidade é totalmente diferente daquilo que a imaginação julga adivinhar.” (Melück Maria Blainville, a profetisa particular da Arábia – Achim Von Arnim)

Manuel Bandeira

"Não aprofundes o teu tédio,
Não te entregues à mágoa vã.
O próprio tempo é bom remédio:
Bebe a delícia da manhã."

O Futuro de uma Ilusão - Sigmund Freud

“Um número imenso de homens aculturados, que recuaria horrorizado diante do assassinato e do incesto, não se priva de satisfazer sua cobiça, seu gosto de agredir e seus apetites sexuais; não deixa de prejudicar os outros por meio da mentira, da fraude e da calúnia caso possa permanecer impune ao fazê-lo.”

“A satisfação que os ideais oferecem aos membros da cultura é, portanto, de natureza narcísica; ela repousa sobre o orgulho da realização que já foi bem-sucedida. Para que seja completa, essa satisfação precisa ser comparada com outras culturas que se lançaram a realizações diferentes e desenvolveram outros ideais. Devida a tais diferenças, cada cultura se atribui o direito de menosprezar a outra. Desse modo, os ideais culturais se transformam em ocasião para discórdia e desavença entre diferentes círculos culturais, tal como se torna bastante claro entre nações.”

“Os deuses conservam a sua tripla tarefa: afastar os pavores da natureza, reconciliar os homens com a crueldade do destino, em especial como ela se mostra na morte, e recompensá-los pelos sofrimentos e privações que a convivência na cultura lhes impõe.”

“Chamamos uma crença de ilusão quando se destaca em sua motivação o cumprimento de desejo, ao mesmo tempo em que não levamos em conta seu vínculo com a realidade, exatamente do mesmo modo que a própria ilusão renuncia a suas comprovações.”

“A bondade de Deus tinha de impedir sua justiça: pecava-se, e então se trazia sacrifício ou se cumpria penitência, e então se estava livre para pecar outra vez.”

“Além da pretendida santidade, também cairiam por terra a rigidez e a imutabilidade desses mandamentos e leis. Os homens poderiam compreender que estes foram criados não tanto para dominá-los, mas antes para servir aos seus interesses; conseguiriam ter uma relação mais amistosa com eles e, em vez da sua abolição, almejariam apenas o seu melhoramento.”

“O crente não se deixará privar de sua crença – não à força de argumentos e não à força de proibições. Caso se conseguisse isso com alguns, seria uma crueldade. Quem tomou sonífero por décadas obviamente não poderá dormir quando privado do remédio.”

A Insustentável Leveza do Ser - Milan Kundera

“Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está a nossa vida, e mais ela é real e verdadeira. Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes. Então, o que escolher? O peso ou a leveza?”

“Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que faz com que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo ‘esboço’ não é a palavra certa porque um esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro.”

“Só é grave aquilo que é necessário, só tem valor aquilo que pesa.”

“’Tem de ser assim’, Tomas repetia para si mesmo, mas logo começou a ter dúvidas: teria mesmo de ser?”

“Mas o homem, porque não tem senão uma vida, não tem nenhuma possibilidade de verificar a hipótese através de experimentos, de maneira que não saberá nunca se errou ou acertou ao obedecer a um sentimento.”

“Será que um acontecimento não se torna mais importante e carregado de significados quando depende de um número maior de circunstâncias fortuitas?”

“Mas o amor nascente aguçou nela a percepção da beleza, e ela jamais esquecerá essa música. Toda vez que a ouvir, tudo o que acontecer em torno dela, nesse momento, ficará impregnado com seu brilho.”

“Aquele que deseja continuamente ‘elevar-se’ deve esperar um dia pela vertigem. O que é a vertigem? O medo de cair? Mas porque sentimos vertigem num mirante cercado por uma balaustrada? A vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio embaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual logo nos defendemos aterrorizados.”

“Mas era justamente o fraco que deveria saber ser forte e partir...”

“Aquilo que não é consequência de uma escolha não pode ser considerado como mérito ou fracasso. Diante de uma condição que nos é imposta, é preciso, pensa Sabina, encontrar a atitude certa. Parecia-lhe tão absurdo insurgir-se contra o fato de ter nascido mulher quanto glorificar-se disso.”

“Por mais cruel que tenha sido a vida, no cemitério sempre existe a mesma serenidade.”

“São precisamente as perguntas para as quais não existem respostas que marcam os limites das possibilidades humanas e que traçam as fronteiras da nossa existência.”

“Os regimes criminosos não foram feitos por criminosos mas por entusiastas convencidos de terem descoberto o único caminho para o paraíso. Defendiam corajosamente esse caminho, executando, por isso, centenas de pessoas. Mais tarde ficou claro como o dia que o paraíso não existia e que, portanto, os entusiastas eram assassinos.”

“Quando nos defrontamos com alguém que é amável, atencioso e delicado, é muito difícil ficar convencido a cada instante de que nada do que é dito é verdadeiro, de que nada é sincero. Para duvidar (contínua e sistematicamente, sem um segundo de hesitação), é necessário um esforço gigantesco e muita prática.”

“Já havia compreendido que as pessoas se alegravam tanto com a humilhação moral do próximo, que jamais abriam mão desse prazer ouvindo explicações.”

“No começo do Gênese está escrito que Deus criou o homem para reinar sobre os pássaros, os peixes e os animais. É claro, o Gênese foi escrito por um homem e não por um cavalo.”

“Não estava certo de ter agido bem, mas estava certo de ter agido como queria.”

A Viagem do Elefante - José Saramago

“Não sei, meu senhor, se este será o melhor tempo de ir para o céu, Que quer isso dizer, Vem aí a inquisição, meu senhor...”

“Somos, cada vez mais, os defeitos que temos, não as qualidades.”

“Se a espontaneidade falta, falta tudo.”

“A mim deram-me uma besuntadela de cristianismo e batizado sou, mas talvez ainda se perceba o que está por baixo.”

“Quando o cérebro divaga, quando nos arrebata nas asas do devaneio, nem damos pelas distâncias percorridas, sobretudo quando os pés que nos levam não são os nossos.”

“De uma maneira ou de outra, dizia o sábio eremita dos Alpes, sempre teremos de morrer.”

“Como já deveríamos saber, a representação mais exata, mais precisa, da alma humana é o labirinto. Com ela tudo é possível.”

O Silêncio dos Inocentes - Thomas Harris

“Este é o período mais duro, Starling. Aproveite-o bem, e ele irá endurecê-la. Agora vem o teste mais difícil: não deixar que a raiva e a frustração a impeçam de pensar. Isso é o essencial para saber se você pode comandar ou não. O desperdício e a estupidez são o que mais pode afetar você.”

"É curioso como as coisas agem sobre você quando você as reconhece.”

“Começamos a ambicionar coisas tangíveis, começamos como que vemos todos os dias.”

Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski

“Tudo está ao alcance do homem e ele deixa isso escapar só por medo...”

“Acontecem certos encontros com pessoas que desconhecemos inteiramente, por quem começamos a nos interessar à primeira vista, como que de repente, súbito, antes que articulemos uma palavra.”

“Quando frequentava a universidade, costumava parar – mais amiúde quando voltava para casa, e talvez o tivesse feito umas cem vezes – precisamente nesse lugar, e ficar perscrutando o panorama realmente magnífico e sempre chegando quase a surpreender-se com uma impressão vaga e sem solução. Um frio inexplicável sempre lhe vinha desse panorama magnífico; para ele esse quadro esplêndido era pleno de um espírito mudo e surdo... Sempre se admirava de sua expressão soturna e enigmática, e deixava para decifrá-la no futuro por não confiar em si mesmo. Agora se lembrava súbita e bruscamente dessas suas questões e perplexidades antigas, e lhe pareceu que não estava se lembrando delas por acaso. (...) Senti-a se mesmo quase ridículo, e ao mesmo tempo experimentava no peito uma pressão que chegava a provocar dor. Em algum ponto profundo, lá embaixo, que mal avistava sob os pés, apareciam-lhe agora todo aquele passado de antes, e os pensamentos de antes, e as tarefas de antes, e os temas de antes, e as impressões de antes, e todo esse panorama, e ele mesmo, e tudo, tudo... Parecia que ele havia voado para algum ponto no alto e que tudo desaparecera de sua vista... (...) depois, deu meia volta e foi pra casa. Teve a impressão de que naquele momento ele mesmo se havia amputado de tudo e de todos.”

“Todos nós, e com bastante frequência, agimos quase como loucos, apenas com a pequena diferença de que os ‘doentes’ são um pouco mais loucos que nós, porque nesse caso é necessário distinguir o limite. Já o indivíduo harmonioso, e isso é verdade, quase não existe; em dezenas, e talvez até em muitas centenas encontremos um, e ainda por cima em espécimes bastante fracas.”

“É só na minha idéia central em que acredito. Ela consiste precisamente em que os indivíduos, por lei da natureza, dividem-se geralmente em duas categorias: uma inferior (a dos ordinários), isto é, por assim dizer, o material que serve unicamente para criar seus semelhantes; e propriamente os indivíduos, ou seja, os dotados de dom ou talento para dizer em seu meio a palavra nova. Aqui as subdivisões, naturalmente, são infinitas, mas os traços que distinguem ambas as categorias são bastante nítidos: em linhas gerais, formam a primeira categoria, ou seja, o material, as pessoas conservadoras por natureza, corretas, que vivem na obediência e gostam de ser obedientes. A meu ver, elas são obrigadas a ser obedientes porque esse é o seu destino, e nisso não há decididamente nada de humilhante para elas. Formam a segunda categoria todos os que infringem a lei, os destruidores ou inclinados a isso, a julgar por suas capacidades. Os crimes desses indivíduos, naturalmente, são relativos e muito diversos. Em sua maioria eles exigem, em declarações bastante variadas, a destruição do presente em nome de algo melhor. (...) A primeira categoria é sempre de senhores do presente, a segunda, de senhores do futuro.”

“Mas leve em consideração que o erro é possível mas só por parte da primeira categoria, ou seja, das pessoas ordinárias (como eu as denominei talvez de modo muito falho). Apesar da sua vocação congênita para obedecer, por certa brejeirice da natureza, que não se pode negar nem a uma vaca, muitas delas gostam de imaginar-se como pessoas avançadas, ‘destruidoras’, de meter-se a portadoras da ‘palavra nova’, e o fazem com absoluta sinceridade. Ao mesmo tempo e com bastante frequência não notam e até desprezam as pessoas efetivamente novas por acharem que são atrasadas e pensam de modo humilhante.”

“Em linhas gerais, as pessoas de pensamento novo, mesmo aquelas com um mínimo de capacidade para dizer ao menos alguma coisa nova, nascem em número inusitadamente baixo, até estranhamente baixo. (...) Talvez em cada dez mil nasça um (falo em termos aproximados, evidentemente) com autonomia mais ampla. Dos indivíduos geniais nasce um entre milhões, e dos grandes gênios, os que dão acabamento à humanidade, nasce um após a passagem de muitos milhares de milhões na face da Terra. Numa palavra, não dei uma olhada na retorta em que tudo isso acontece. Mas existe forçosamente e deve existir certa lei: Aqui não pode haver acaso.”

“– (...) Se a gente convence logicamente uma pessoa de que ela, em essência, não tem que chorar, ela deixa de chorar. Isso é claro. Você não acha que deixa?
– Neste caso seria fácil demais viver.”

“E se ele ainda não estava acamado e com febre de verdade, isso, talvez, era justamente porque esse desassossego interior e contínuo ainda o mantinha de pé e consciente, se bem que de modo meio artificial, provisório.”

“Nela ele procurara um ser humano quando estava precisando de um ser humano; daí que ela o acompanharia aonde o destino mandasse.”

José Saramago

"O viajante está feliz. Nunca na vida teve tão pouca pressa. Senta-se na beira de um destes túmulos, afaga com as pontas dos dedos a superfície da água, tão fria e tão viva, e, por um momento, acredita que vai decifrar todos os segredos do mundo. É uma ilusão que o assalta de longe em longe, não lho levem a mal." (caderno.josesaramago.org)

A Solidão Amiga - Rubem Alves

“Sua tristeza não vem da solidão. Vem das fantasias que surgem na solidão. Lembro-me de um jovem que amava a solidão: ficar sozinho, ler, ouvir, música... Assim, aos sábados, ele se preparava para uma noite de solidão feliz. Mas bastava que ele se assentasse para que as fantasias surgissem.”

“Na festa ele percebia que festas reais não são iguais às festas imaginadas. Era um desencontro, uma impossibilidade de compartilhar as coisas da sua solidão... A noite estava perdida.”

“Ao seu redor, as sombras e o silêncio. Nenhum falatório bobo ou riso fácil para perturbar a verdade da sua alma.”

“Entre as muitas coisas profundas que Sartre disse, essa é a que mais amo: ‘Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.’”

“O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um artifício para evitar o contato conosco mesmos. Sartre chegou ao ponto de dizer que ‘o inferno é o outro.’”

“Rainer Maria Rilke, um dos poetas mais solitários e densos que conheço, disse o seguinte: ‘As obras de arte são de uma solidão infinita.’ É na solidão que elas são geradas.”

“E me lembro também de Cecília Meireles, tão lindamente descrita por Drummond: ‘...Não me parecia criatura inquestionavelmente real; e por mais que aferisse os traços positivos de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos... Distância, exílio e viagem transpareciam no seu sorriso benevolente? Por onde erraria a verdadeira Cecília...’. Sim, lá estava ela delicadamente entre os outros, participando de um jogo de relações gregárias que a delicadeza a obrigava a jogar. Mas a verdadeira Cecília estava longe, muito longe, num lugar onde ela estava irremediavelmente sozinha.’”

“O primeiro filósofo que li, o dinamarquês Soeren Kiekeggard, um solitário que me faz companhia até hoje, observou que o início da infelicidade humana se encontra na comparação.”

“As caminhadas pelo deserto me fizeram forte. Aprendi a cuidar de mim mesmo. E aprendi a buscar as coisas que, para mim, solitário, faziam sentido.”

“Sofra a dor real da solidão porque a solidão dói. Dói uma dor da qual pode nascer a beleza. Mas não sofra a dor da comparação. Ela não é verdadeira.”

Comédias da Vida Privada - Luis Fernando Verissimo

"Há provas estatísticas que o desejo de não magoar os outros está na origem da maioria dos desastres sociais."

O Grande Mentecapto - Fernando Sabino

“Sentia uma emoção tomá-lo de repente, que era a um tempo o medo da morte e uma vontade de partir. Nada ele desejava mais na vida que um dia tomar o trem e ir para longe, longe de todos, para um lugar que não sabia onde.”

“Estava, por assim dizer, num instante de transição em que a existência parece pairar em suspenso entre dois vazios ou entre dois mistérios que se completam.”

“Não havia mais nada em que se agarrar para sobreviver. (...) Se alguma coisa lhe restava no espírito, era apenas a consciência disso.”

“Tudo quieto e parado, em suspenso. Até ali não chegava a confusão do mundo. Geraldo Viramundo parecia ter saído do mundo. O tempo havia parado.”

“Este ser engasgado, contido, subjugado pela ordem iníqua dos racionais é o verdadeiro fulcro da minha verdadeira natureza, o cerne da minha condição de homem, herói e pobre-diabo, pária, negro, judeu, índio, cigano, santo, poeta, mendigo e débil mental, Viramundo! que um dia há de rebelar-se dentro de mim, enfim liberto, poderoso na sua fragilidade, terrível na pureza de sua loucura.”

“Por que Viramundo agora se sentia pouco à vontade dentro de igrejas? Era o que ele se perguntava... (...) Que sentido têm as coisas? – o grande mentecapto perguntou a si mesmo, sentando-se num banco da nave àquela hora vazia, e veio-lhe de súbito a consciência da própria mentecapcidade, tão despropositada quanto a minha ousadia em escrever semelhante palavra. Não entendia mais nada de nada – e tal desentendimento o atingia tão fundo, que Geraldo Viramundo pôs-se a chorar.”

“Mas daquela feita o choro era fruto de suas meditações, ao passo que agora decorria de constatação nascida da mesma dúvida que o levara, em menino, a interpelar o padre Limeira em Rio Acima: meditar em quê? Não havia mesmo nada sobre que meditar, concluía agora. Sentia-se completamente vazio por dentro, numa solidão sem remédio.”

“O raio que coriscou na sua cabeça naquele instante, dando-lhe uma fulminante consciência da iniqüidade que prevalece neste mundo, foi demais para a sua inocência, matou o menino que ele trazia dentro de si. Matou o menino.”

Iniciação - Fernando Pessoa

Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.

Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.

Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa.
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.

Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.

Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais:
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.

A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não estás morto, entre ciprestes.
Neófito, não há morte.

Fahrenheit 451 - Ray Bradbury

“Ele sentiu o corpo dividir-se em duas metades, uma quente, a outra fria, esta macia, aquela dura, uma trêmula, a outra firme, uma oprimindo a outra.”

“Não é de livros que você precisa, é de algumas coisas que antigamente estavam nos livros.”

“O televisor é ‘real’. É imediato, tem dimensão. Diz o que você deve pensar e o bombardeia com isso. Ele tem que ter razão. Ele parece ter muita razão. Ele o leva tão depressa às conclusões que sua cabeça não tem tempo para protestar: ‘isso é bobagem!’”

“Este é o lado bom de morrer, quando você não tem mais nada a perder, corre o risco que quiser.”

Um Estranho Numa Terra Estranha - Robert Heinlein

“Se Deus existisse (assunto do qual Jubal mantinha-se neutro) e se ele queria ser adorado (coisa que Jubal considerava improvável, mas apesar de tudo possível, considerando sua própria ignorância no assunto), então parecia mais improvável ainda que um Deus capaz de moldar galáxias pudesse se satisfazer com a algazarra maluca que os fosteritas chamavam de ‘adoração’.”

“Jubal não insistiu e passou à multiplicidade das religiões humanas. Explicou que os humanos têm centenas de maneiras de aprender os ‘grandes ensinamentos’, cada uma com resposta própria e cada uma afirmando ser a verdade.”

“Cada religião afirma ser a verdade, afirma falar certo. No entanto, suas respostas são tão diferentes como duas mãos e sete mãos. Os fosteritas dizem uma coisa, os budistas outra, os mulçumanos ainda outra... inúmeras respostas, todas diferentes.”

“Havia um campo no qual o homem era imbatível. Mostrava ilimitada habilidade em inventar métodos maiores e mais eficientes de matar, escravizar, atormentar e tornar-se de mil maneiras intolerável a si mesmo. O homem era a mais sinistra piada do homem.”

“– Parabéns! O desejo de não se meter na vida alheia é oitenta por cento da sabedoria humana!”

“A religião é um conforto para muitos e é possível que a religião, em algum lugar, seja a verdade suprema. Mas ser religioso é muitas vezes uma forma de orgulho. A fé na qual fui educado garantia-me que eu era melhor que os outros: eu estava salvo e os outros estavam ‘condenados’. Nós estávamos em estado de graça e os outros eram idólatras. Por idólatras entendiam pessoas como o nosso irmão Mahmoud. Homens místicos e ignorantes, que raramente tomavam banho e que plantavam milho de acordo com a fase da lua, achavam que tinham as respostas absolutas do universo. Isso os autorizava a olhar os estranhos com arrogância. Nossos hinos eram carregados de empáfia. Congratulávamo-nos com a intimidade que tínhamos com o Todo-Poderoso e pela boa opinião que ele tinha de nós. O resto que esperasse pelo juízo final.”

“Um vigarista sabe que está mentindo. Isso limita o seu alcance. Mas um xamã bem-sucedido acredita no que está dizendo e a crença é contagiosa, não há limites à sua ação.”

“– Jubal, como é que se permite uma coisa dessas?
– Que coisa?
– Tudo. Isso não é uma igreja... é uma casa de loucos.
– Não, Jill. É uma igreja... é o ecletismo lógico da nossa época.
– Hem?
– A Nova Revelação é um troço antigo. Foster e Digby jamais tiveram uma idéia original. Reuniram uma porção de truques velhos, deram uma mão de tinta e abriram o negócio. Um negócio de sucesso. O que me preocupa é que eu talvez ainda o veja obrigatório a todos.
– Oh, não!
– Oh, sim. Hitler começou com menos e o que ele negociava era ódio. A felicidade é uma mercadoria bem mais rentável. Eu sei, estou no mesmo ramo, como Dibgy me lembrou – Jubal fez uma careta. – Deveria ter-lhe dado um soco. Em vez disso ele me fez sentir prazer. É por isso que tenho medo dele: é inteligente. Sabe o que as pessoas querem. Felicidade. O mundo passou por um século de culpa e medo e agora Digby diz-lhes que não têm nada a temer, nem nesta vida nem depois, e que Deus quer que todos sejam felizes. Ele repete dia e noite: não tenham medo, sejam felizes.”

“Se você pinta um macaco de vermelho e o joga numa gaiola de macacos marrons, estes o estraçalharão.”

“O homem foi construído de forma a não poder imaginar a própria morte. Disso resulta uma infinita invenção de religiões. Embora aquela convicção não prove de maneira alguma que a imortalidade seja um fato, as perguntas por ela geradas são extremamente importantes. A natureza da vida, como o ego está enraizado no corpo, o problema do próprio ego e porque cada ego parece ser o centro do universo, a finalidade da vida, a finalidade do universo, são perguntas essenciais, Ben. Nunca se tornarão vulgares. A ciência ainda nãos as resolveu, e quem sou eu para zombar das religiões por tentar, por menos que me convençam? (...) A única opinião religiosa da qual me sinto seguro é a seguinte: a consciência não é só o entrechocar de um punhado de aminoácidos!”

“O martírio e a perseguição são a melhor propaganda para as igrejas.”

“A bondade sem sabedoria produz sempre o mal.”