Fugindo do Ninho - Richard Bach

“Há muito tempo minha verdade vem sendo refinada.”

“Para mim, religiões sistematizadas eram pontes oscilantes, pedaços de pau mal ajambrados que cederiam à primeira pressão, uma questão infantil revolvendo o mistério impossível: porque as religiões pendem para questões irrespondíveis? Não se sabe que o irrespondível não é resposta? Seguidamente, deparava-me com uma nova teologia e sempre me via diante do impasse: devo agarrar essa crença e fazer dela minha vida? Cada vez que esse impasse se impunha, colocava meu peso sobre a ponte, as tábuas tremiam e rangiam; então, todas de uma só vez, caíam diante de mim, como que espanadas, rolando abaixo, escapando de vista. Nesse ponto, agarrava-me ao mundo, agachando-me de volta à beirada abaixo da qual estava o abismo, grato por não sucumbir à queda. Que sabor teria entregar o coração a uma religião que garantia que o planeta se dissolveria em fogo quando chegasse o 31 de dezembro, e então acordar no Ano-Novo entregue ao canto dos pássaros? Constrangimento, este o sabor que teria.”

“Se quebrar alguns recordes físicos me traz tanto prazer, (...) se busco sempre a superação física, o que haveria de errado em fazer o mesmo em relação ao espirito?”

“– Gosto dos presentes.
– Desista dos aniversários, você pode se dar seus próprios presentes a cada dia do ano.”

“Claro que sou demente, Dickie, mas no bom sentido.”

“Quando não se acredita em aniversário, a ideia de envelhecer torna-se um tanto estrangeira. Você não cai em traumas ao fazer dezesseis ou trinta, ou o assustador cinquenta ou o mortificante centenário. Você passa a medir sua vida pelo que aprendeu, não por ficar contando calendários.”

“Na minha opinião, somos criaturas sem idade. O sentimento engraçado de que somos mais jovens ou mais velhos do que nosso corpo é o contraste entre o senso comum... nossa consciência deveria sentir-se tão velha quanto o nosso corpo... e a verdade, que diz que a consciência não tem idade. Nossa mente simplesmente não pode juntar as duas coisas por qualquer regra que seja do tempo-espaço. Então, em vez de tentar outras regras, ela simplesmente deixa de tentar. Sempre que sentimos que não temos a idade correspondente aos nossos números, dizemos ‘estranha sensação!’ e mudamos de assunto.”

“Congelei de medo... tinha de fazer isso, não importa o que achasse correto para mim? Crescer é isto, ter de fazer o que as outras pessoas fazem? Não gosto do que está acontecendo aqui. Como posso sair dessa? Socorro! Como resposta, houve uma explosão no fundo da minha mente, portas arrancadas dos gonzos, uma força lívida arrebentando, agitando. Este idiota está querendo lhe dizer o que você deve ou não fazer? Que história é essa de ‘você tem que fazer’? Você não tem que fazer nada que não queira. Quem é este palhaço para mandar você fazer o que ele quer? Bati com o copo na mesa, a cerveja saltando da borda.
– Eu não tenho que beber nada, Mike! Ninguém me diz o que fazer!”

“Uma droga para tudo é maluquice. Legal ou não, prescrita ou não, passada por cima ou por baixo do balcão, comprada para uso nas esquinas das ruas – cada pílula nos separa do conhecimento de nossa própria compleição e nos distancia do aprendizado da verdade. É melhor nos tratarmos sem recorrer a nenhuma droga, seja qual for a droga e a situação. É criminoso, imaginei, para mim, apoiar uma multidão que trata o corpo como uma máquina em vez de notar as manifestações psicológicas, que fracassam em ver além da primeira tela das aparências.”

“– Voar ainda é uma fantasia para muitos de nós – expliquei. – Quantas fantasias incluem doença? Viva bastante aquilo que você sempre sonhou em fazer e não sobra espaço para as doenças.

“Tudo o que aprendi, Dickie, daquele momento em diante, comprovou o poder do indivíduo para mudar seu destino, o poder de escolha de cada um. (...) nunca espere alguém para mostrar-lhe o caminho ou fazê-lo feliz.”

“– É o preço a pagar – avisou o padre. – Invente a sua teologia e você será diferente de todos os outros.
– Isso não é preço, é uma recompensa.”

“– Imagine que existe um Deus Todo-Poderoso que observe os mortais e seus problemas na Terra.
Ele concordou.
– Então, Deus deve ser responsável por todas as catástrofes, tragédias, terror e morte que flagelam a humanidade.
Dickie ergueu a mão:
– Ele não é responsável só porque vê nossos problemas.
– Pense bem. Porque Ele é Todo-Poderoso. Quer dizer, Ele tem o poder de impedir as coisas ruins, se Ele quiser. Mas Ele escolhe não impedir. Ele é a causa do mal, por permitir que ele exista.
Ele avaliou o raciocínio.
– Talvez... – disse hexitante.
– Por definição, porque os inocentes continuam a sofrer e morrer, um Deus que tudo pode não só é indiferente como infinitamente cruel.
Dickie levantou a mão novamente, mais pedindo tempo para pensar do que para fazer uma pergunta.
– Talvez...
– Você não tem certeza – eu disse.
– Parece estranho, mas não consigo ver o que está errado.
– Eu também não. Essa ideia está mudando o mundo para você, do mesmo modo que mudou para mim... um Deus mau e cruel?
– Continue – ele pediu.
– Seguinte: imagine um Deus Todo-Poderoso que olhe os mortais e conheça seus problemas na Terra.
– Assim é melhor.
Concordei.
– Então esse Deus deve ver com tristeza os inocentes sendo oprimidos e mortos pela maldade, vezes sem fim; assassinados aos milhões enquanto imploram em vão aos céus por socorro, através dos séculos.
Ele ergueu o braço.
– Agora você vai dizer: os inocentes sofrem e morrem, então o nosso Deus de bondade não tem poder para nos ajudar.
– Exatamente! Diga quando estiver pronto para uma pergunta.
Durante um momento, ele pensou sobre o que eu tinha dito. Então cedeu:
– Ok, estou pronto.
– Qual é o Deus real, Dickie? O cruel ou o impotente?”

“Qualquer um pode matar a minha aparência. Ninguém pode tirar a minha vida.”

“O meu corpo não é mais o eu real do que um número no papel é o número real.

"– Você é mestre de sua vida? – perguntou ele.
– Claro que sou! Eu, você e todos os outros. Mas nos esquecemos disso.
– Como eles fazem isso?
– Como quem faz o quê?
– Como os mestres mudam sua vida quando querem?
Sorri a esta pergunta.
– Com armas poderosas.
– O quê?
– Outra diferença entre mestres e vítimas é que as vítimas não descobriram as armas poderosas e os mestres as usam o tempo todo.
– Furadeiras elétricas? Serras circulares? – Ele parecia um náufrago em busca de socorro. Um bom professor o teria deixado descobrir a resposta sozinho, mas eu falo demais para um professor.
– Nada disso. 'Escolha'. A lâmina encantada com um fio que modela as existências. Se ainda assim temos medo de escolher outra coisa que não o que já temos, o que adianta escolher?”

"Afastar-se da segurança não quer dizer correr riscos inúteis.”

“Lembre-se de que este mundo não é a realidade. É o playground das aparências, no qual praticamos a arte de superar o Parece Ser com o nosso conhecimento do É. O Princípio das Coincidências é uma ferramenta poderosa que promete, nesse playground, transportar-nos através do muro.”

“Os semelhantes se atraem. Isso vai surpreendê-lo enquanto viver. Escolha um amor e trabalhe para que ele seja verdadeiro, e de algum modo vai acontecer, algo imprevisto vai juntar os semelhantes, vai libertá-lo e colocá-lo no caminho de seu próximo muro.”

“Chamamos este mundo de Terra, mas o nome verdadeiro é Mudança.”

“– O mundo não é uma esfera, Dickie, é uma enorme pirâmide flutuante. Na sua base está a mais baixa forma de vida que se possa imaginar, odiosa, cheia de vícios e praticando o mal por puro prazer, destituída de compaixão, um pouco acima da consciência, tão selvagem que se autodestrói assim que nasce. Existe espaço para este tipo de consciência, muito espaço, bem aqui no nosso terceiro planeta triangular.
– O que está no topo da pirâmide?
– Uma consciência tão refinada que quase só reconhece a luz. Seres que vivem apenas para seus amores, para os mais altos princípios...”

“– Paz é melhor que guerra.
– Aqueles no topo da pirâmide concordariam. A paz os faria mais felizes.
– E os da base?
– ...amam a batalha! Há sempre uma razão para lutar. Com sorte, é uma causa quente: esta guerra nós fazemos por Deus, esta é para salvar nossa pátria, esta outra para limpar a Raça, para expandir o Império, para obter lata e tungstênio. Lutamos porque paga-se bem, porque é mais excitante matar do que construir vidas, porque guerra evita trabalhar para viver, porque todos estão lutando, porque vai provar que sou um homem, porque gosto de matar.
– Terrível.
– Não é terrível, é previsível. Quando um planeta abriga um espectro tão amplo de mentalidades, espera-se um monte de conflitos.”

“Se eu puder lhe dizer uma única coisa sobre a vida, eu diria: nunca esqueça que é um jogo.”

“Nossa sorte é não termos recordação de outras vidas, pensei. Imobilizados pela memória, não poderíamos prosseguir com esta.”

“A mais leve sugestão de mudança é uma ameaça de morte a alguns status quo.”

"Evite problemas e você nunca será um dos que superam."