"Que lhe havia eu de fazer? Fingir um amor que não sentia? Os sentimentos não se governam, não são coisas de tirar e pôr de acordo com as conveniências do momento, menos ainda se, pela idade, é um coração desprevenido e isento o que levamos dentro do peito."
"Na verdade, a crueldade infantil não tem limites (é essa a razão profunda de não os terem também a dos adultos)."
"O homem que assim se aproxima, vago entre as cordas de chuva, é o meu avô. Vem cansado, o velho. Arrasta consigo setenta anos de vida difícil, de privações, de ignorância. E no entanto é um homem sábio, calado, que só abre a boca para dizer o indispensável. Fala tão pouco que todos nos calamos para o ouvir quando no rosto se lhe acende algo como uma luz de aviso. Tem uma maneira estranha de olhar para longe, mesmo que esse longe seja apenas a parede que tem na frente. A sua cara parece ter sido talhada a enxó, fixa mas expressiva, e os olhos, pequenos e agudos, brilham de vez em quando como se alguma coisa em que estivesse a pensar tivesse sido definitivamente compreendida. É um homem como tantos outros nesta terra, neste mundo, talvez um Einstein esmagado sob uma montanha de impossíveis, um filósofo, um grande escritor analfabeto. Alguma coisa seria que não pôde ser nunca."
"Muitas vezes esquecemos o que gostaríamos de poder recordar, outras vezes, recorrentes, obsessivas, reagindo ao mínimo estímulo, vêm-nos do passado imagens, palavras soltas, fulgurância, iluminações, e não há explicação para elas, não as convocámos, mas elas aí estão."
"E ela, sem mais palavras, respondeu: 'O José Dinis morreu.' Éramos assim, feridos por dentro, mas duros por fora. As coisas são o que são, agora se nasce, logo se vive, por fim se morre, não vale a pena dar-lhe mais voltas, o José Dinis veio e passou, choraram-se umas lágrimas na ocasião, mas o certo é que a gente não pode levar a vida a chorar os mortos."