“Quando os homens não têm nada claro a dizer sobre alguma coisa, em vez de calar-se, costumam fazer o contrário: dizem em superlativo, isto é, gritam.”
“O único fora cabível, fora, é precisamente um dentro, um intus, a intimidade do homem, seu si mesmo, que está constituído principalmente por idéias.”
“A vida de outro, ainda mesmo daquele que nos esteja tão próximo e íntimo, já é para mim mero espetáculo, como a árvore, a rocha, a nuvem viajeira. Vejo-a mas não a sou, isto é, não a vivo. Se lhe doem os dentes a outro, a mim me é patente a sua fisionomia, a figura de seus músculos contraídos; ele é o espetáculo de alguém afligido pela dor, mas essa dor de dente não me dói a mim e, portanto, o que tenho dela não se parece nada daquilo que tenho quando os dentes doem a mim. Em rigor, a dor de dentes do próximo é ultimamente uma suposição, hipótese ou presunção minha, é uma dor presuntiva. A minha, no entanto, é inquestionável.”
“Privilégio tremendo e glória que o homem goza e sofre por vezes – o de escolher a figura de sua própria morte: a morte do covarde ou a morte do herói, a morte feia ou a bela morte.”
“Viver significa ter de ser fora de mim, no absoluto fora que é a circunstância ou mundo: é ter de, querendo ou não, enfrentar-me e chocar-me, constantemente, incessantemente com quanto integra esse mundo: minerais, plantas, animais, os outros homens. Não há remédio. Tenho de atracar-me com tudo isso. Tenho de me ajustar-me, pior ou melhor, com tudo isso. Mas isso – encontrar-me com tudo e necessitar ajustar-me com tudo – isso me acontece ultimamente a mim só, e tenho de fazê-lo solitariamente.”
“Desse fundo de solidão radical que é, sem remédio, nossa vida, emergimos constantemente em uma ânsia, não menos radical, de companhia. Quereríamos achar aquele cuja vida se fundisse integralmente, se interpenetrasse com a nossa. Para tanto, fazemos as mais várias tentativas. Uma é a amizade. Mas a suprema entre elas é a que chamamos de amor. O autêntico amor não é senão a tentavia de permutar duas solidões.”
“A circunstância nos apresenta sempre diversas possibilidades de fazer, portanto: de ser. Isso nos obriga a exercer, queiramos ou não queiramos, a nossa liberdade. Somos livres à força.”
“Nietzsche já disse o essencial: ‘Sentimo-nos tão tranquilos e tão à vontade na pura natureza porque esta não tem opinião sobre nós’.”
“Na solidão o homem é a sua verdade – na sociedade tende a ser sua mera convencionalidade ou falsificação.”
“A cortesia, como veremos mais adiante, é uma técnica social que torna mais suave esse choque, e luta, e atrito, que é a sociedade. Cria uma série de molas mínimas em torno de cada indivíduo, molas que atenuam as marradas dos demais contra nós e nossas contra eles.”
“Comportamo-nos em nossas vidas orientando-nos, nos pensamentos que temos, sobre o que as coisas são; mas se dermos um balanço dessas idéias ou opiniões, com as quais e das quais vivemos, acharemos com surpresa que muitas delas – talvez a maioria – não as pensamos nunca por nossa conta, com plena e responsável evidência de sua verdade; ao contrário, pensamo-las porque as ouvimos e dizemo-las porque se dizem.”
“Na medida em que penso e falo – não por própria e individual evidência, mas repetindo isso que se diz e que se opina – minha vida deixa de ser minha, deixo de ser o personagem individualíssimo que sou, e atuo por conta da sociedade: suo um autômato social, estou socializado.”
“A coletividade é, sem dúvida, algo humano; mas é o humano sem o homem, o humano sem alma, o humano desumanizado.”