A casa dos espíritos - Isabel Allende

"Uma vez minha neta perguntou-me como consegui viver tanto tempo sozinho e tão afastado da civilização. Não sei. Porém deve ter sido mais fácil para mim do que para outros, porque não sou uma pessoa sociável, não tenho muitos amigos nem gosto de festas ou agitação; pelo contrário, sinto-me melhor sozinho. Custa-me muito tornar-me íntimo das pessoas."

"– Por que vivia assim se lhe sobrava dinheiro? – gritou Esteban.
– Porque lhe faltava todo o resto. – replicou Clara docemente."

"Tal como no momento de vir ao mundo, ao morrer temos medo do desconhecido. Mas o medo é algo interior, que nada tem a ver com a realidade. Morrer é como nascer: apenas uma mudança."

"Tirei-lhe a camisola e revistei-a com cuidado, procurando algum sinal de doença que justificasse sua morte, e, nada encontrando, soube que simplesmente havia cumprido sua missão nesta terra e voara para outra dimensão, onde seu espírito, finalmente livre dos pesos materiais, se sentiria melhor."

"Os tempos mudaram. Com ela se foram os espíritos, os hóspedes e aquela luminosa alegria sempre presente, porque ela não acreditava que o mundo fosse um vale de lágrimas, mas, ao contrário, uma pilhéria de Deus, e, por isso, seria estupidez levá-lo a sério, se Ele próprio não o fazia."

"Desconfio de que tudo o que aconteceu não seja fortuito, mas que corresponda a um destino traçado antes de meu nascimento e que Esteban García seja parte desse desenho. É um traço rude e torcido, mas nenhuma pincelada é inútil. No dia em que meu avô derrubou sua avó, Pancha García, nos matagais do rio, acrescentou outro degrau a uma cadeia de fatos que deveriam ser cumpridos."

"Tive a ideia de que estava armando um quebra-cabeça em que cada peça tinha uma localização precisa. Antes de colocá-las todas, parecia-me incompreensível, mas estava certa de que, se conseguisse terminá-lo, daria um sentido a cada uma, e o resultado seria harmonioso. Cada peça tem uma razão de ser tal como é."

"A memória é frágil, e o transcurso de uma vida, muito breve, e tudo acontece tão depressa, que não conseguimos ver a relação entre os acontecimentos, não podemos medir a consequência dos atos, acreditamos na ficção do tempo, no presente, no passado e no futuro, mas também pode ser que tudo aconteça simultaneamente."

"Tentou não respirar, não se mover e pôs-se à espera da morte com impaciência. Passou muito tempo assim. Quando quase alcançara seu propósito, viu aparecer sua avó Clara, que tantas vezes havia invocado para ajudá-la a morrer, informando-a de que a graça não estava em morrer, porque isso aconteceria de qualquer maneira, mas, sim, em sobreviver, o que era um milagre."

A montanha mágica - Thomas Mann

"A morte tinha dois aspectos, um piedoso, significativo, de melancólica beleza, quer dizer, um aspecto religioso, e ao mesmo tempo tinha outro, absolutamente diverso e até mesmo oposto, um aspecto muito físico, bem material, que era impossível qualificar propriamente de belo, significativo, piedoso, sequer triste. A natureza solene e religiosa expressava-se no suntuoso ataúde do defunto, na magnificência das flores e no ramo de palmeira, que, como se sabe, simbolizavam a paz celestial. (...) Mas, além dessa razão de ser, existia – e como o pequeno Hans Castorp bem notava, ainda que não se desse conta disso em palavras – mais uma outra, uma finalidade mais profana, a manifestar-se em tudo isso, principalmente naquela multidão de flores, e entre elas em especial nas tuberosas espalhadas por toda parte: cabia-lhes disfarçar, fazer esquecer e não admitir no limiar da consciência o segundo aspecto da morte, que não era nem belo nem realmente triste, mas, a bem dizer, quase indecente e de um caráter baixo e carnal."

"Que é o tempo, afinal? – perguntou Hans Castorp comprimindo o nariz com tamanha violência, que a ponta se tornou branca e exangue. – Quer me dizer isto? Percebemos o espaço com os nossos sentidos, por meio da vista e do tato. Muito bem! Mas que órgão possuímos para perceber o tempo? Pode me responder essa pergunta? Bem vê que não pode. Como é possível medir uma coisa da qual, no fundo, não sabemos nada, nada, nem sequer uma única de suas características? Dizemos que o tempo passa. Está bem, deixe-o passar. Mas para que possamos medi-lo... Espere um pouco! Para que o tempo fosse mensurável, seria preciso que decorresse de um modo uniforme; e quem lhe garante que é mesmo assim? Para a nossa consciência, não é. Somente o supomos, para a boa ordem das coisas, e as nossas medidas, permita-me essa observação, não passam de convenções."

"Mas, quando as pessoas estão sérias e tristes e a morte entra em jogo, não me sinto propriamente deprimido nem acanhado; pelo contrário, tenho a sensação de estar no meu elemento, e em todo caso passo melhor do que num ambiente de festa barulhenta. Isso não suporto."

"A única maneira sadia e nobre, aliás, também, como acrescento expressamente, a única maneira religiosa de encarar a morte é compreendê-la e senti-la como uma parte, como um complemento, como uma condição inviolável da vida, ao invés de – o que seria o contrário de sadio, nobre, sensato e religioso – separá-la da vida espiritualmente, de pô-la em oposição a ela e de usá-la como argumento contra ela. Os antigos adornavam os seus sarcófagos de símbolos da vida e da procriação, e até de símbolos obscenos. Para a religiosidade antiga frequentemente coincidia o sagrado com o obsceno. Esses homens sabiam honrar a morte. A morte é venerável como berço da vida, como regaço da renovação. Mas, separada da vida, torna-se um fantasma, um bicho-papão, e coisa pior ainda. Pois a morte como potência espiritual independente é sumamente devassa, cujo atrativo perverso é, sem dúvida, muito forte, e seria, também sem a mínima dúvida, a mais horrorosa aberração do espírito humano querer simpatizar com ela." 

"Terminada a radioscopia, teve ainda a amabilidade de permitir que o paciente, a seus rogos insistentes, contemplasse a própria mão através do anteparo luminoso. E Hans Castorp viu o que devia ter esperado, mas que, em realidade, não cabe ver ao homem, e que jamais teria crido poder ver: lançou um olhar para dentro do seu próprio túmulo. Viu, antecipado pela força dos raios, o futuro trabalho da decomposição; viu a carne em que vivia, solubilizada, aniquilada, reduzida a uma névoa inconsistente, no meio da qual se destacava o esqueleto minuciosamente plasmado da sua mão direita, e em torno da primeira falange do dedo anular pairava, preto e frouxo, o anel-sinete que o avô lhe legara, um objeto duro desta terra, com o qual os homens adornam o seu corpo destinado a desfazer-se por debaixo dele, para que fique novamente livre e se possa enfiar em outra mão que o use durante algum tempo."

"Em realidade, o tempo não tem marcas; não há trovões nem trombetas ao início de um novo mês ou de um novo ano; e na própria estreia de um novo século somos unicamente nós, homens, que soltamos foguetes e repicamos os sinos."

"Para também fazermos justiça às alegrias – estas eram numerosas e, ainda que nascessem de motivos insignificantes, não menos intensas que as mágoas."

"Não há nada mais doloroso do que ver como a nossa parte orgânica, a parte animal do nosso ser, nos impede de servir à Razão."

"A eternidade não é uma linha reta, mas um carrossel."

"O espanto em face da morte remontava a épocas de um nível cultural extremamente baixo, nas quais a morte violenta fora a regra, e o cunho horripilante que a revestia por muito tempo se associara, no sentimento do homem, à ideia da morte em geral."

"Encheu-se de alegria ao pensar que ainda tinha à sua frente algumas horas que poderia passar vagando ao ar livre, através da natureza grandiosa."