A Solidão Amiga - Rubem Alves

“Sua tristeza não vem da solidão. Vem das fantasias que surgem na solidão. Lembro-me de um jovem que amava a solidão: ficar sozinho, ler, ouvir, música... Assim, aos sábados, ele se preparava para uma noite de solidão feliz. Mas bastava que ele se assentasse para que as fantasias surgissem.”

“Na festa ele percebia que festas reais não são iguais às festas imaginadas. Era um desencontro, uma impossibilidade de compartilhar as coisas da sua solidão... A noite estava perdida.”

“Ao seu redor, as sombras e o silêncio. Nenhum falatório bobo ou riso fácil para perturbar a verdade da sua alma.”

“Entre as muitas coisas profundas que Sartre disse, essa é a que mais amo: ‘Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.’”

“O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um artifício para evitar o contato conosco mesmos. Sartre chegou ao ponto de dizer que ‘o inferno é o outro.’”

“Rainer Maria Rilke, um dos poetas mais solitários e densos que conheço, disse o seguinte: ‘As obras de arte são de uma solidão infinita.’ É na solidão que elas são geradas.”

“E me lembro também de Cecília Meireles, tão lindamente descrita por Drummond: ‘...Não me parecia criatura inquestionavelmente real; e por mais que aferisse os traços positivos de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos... Distância, exílio e viagem transpareciam no seu sorriso benevolente? Por onde erraria a verdadeira Cecília...’. Sim, lá estava ela delicadamente entre os outros, participando de um jogo de relações gregárias que a delicadeza a obrigava a jogar. Mas a verdadeira Cecília estava longe, muito longe, num lugar onde ela estava irremediavelmente sozinha.’”

“O primeiro filósofo que li, o dinamarquês Soeren Kiekeggard, um solitário que me faz companhia até hoje, observou que o início da infelicidade humana se encontra na comparação.”

“As caminhadas pelo deserto me fizeram forte. Aprendi a cuidar de mim mesmo. E aprendi a buscar as coisas que, para mim, solitário, faziam sentido.”

“Sofra a dor real da solidão porque a solidão dói. Dói uma dor da qual pode nascer a beleza. Mas não sofra a dor da comparação. Ela não é verdadeira.”

Comédias da Vida Privada - Luis Fernando Verissimo

"Há provas estatísticas que o desejo de não magoar os outros está na origem da maioria dos desastres sociais."

O Grande Mentecapto - Fernando Sabino

“Sentia uma emoção tomá-lo de repente, que era a um tempo o medo da morte e uma vontade de partir. Nada ele desejava mais na vida que um dia tomar o trem e ir para longe, longe de todos, para um lugar que não sabia onde.”

“Estava, por assim dizer, num instante de transição em que a existência parece pairar em suspenso entre dois vazios ou entre dois mistérios que se completam.”

“Não havia mais nada em que se agarrar para sobreviver. (...) Se alguma coisa lhe restava no espírito, era apenas a consciência disso.”

“Tudo quieto e parado, em suspenso. Até ali não chegava a confusão do mundo. Geraldo Viramundo parecia ter saído do mundo. O tempo havia parado.”

“Este ser engasgado, contido, subjugado pela ordem iníqua dos racionais é o verdadeiro fulcro da minha verdadeira natureza, o cerne da minha condição de homem, herói e pobre-diabo, pária, negro, judeu, índio, cigano, santo, poeta, mendigo e débil mental, Viramundo! que um dia há de rebelar-se dentro de mim, enfim liberto, poderoso na sua fragilidade, terrível na pureza de sua loucura.”

“Por que Viramundo agora se sentia pouco à vontade dentro de igrejas? Era o que ele se perguntava... (...) Que sentido têm as coisas? – o grande mentecapto perguntou a si mesmo, sentando-se num banco da nave àquela hora vazia, e veio-lhe de súbito a consciência da própria mentecapcidade, tão despropositada quanto a minha ousadia em escrever semelhante palavra. Não entendia mais nada de nada – e tal desentendimento o atingia tão fundo, que Geraldo Viramundo pôs-se a chorar.”

“Mas daquela feita o choro era fruto de suas meditações, ao passo que agora decorria de constatação nascida da mesma dúvida que o levara, em menino, a interpelar o padre Limeira em Rio Acima: meditar em quê? Não havia mesmo nada sobre que meditar, concluía agora. Sentia-se completamente vazio por dentro, numa solidão sem remédio.”

“O raio que coriscou na sua cabeça naquele instante, dando-lhe uma fulminante consciência da iniqüidade que prevalece neste mundo, foi demais para a sua inocência, matou o menino que ele trazia dentro de si. Matou o menino.”