Ciranda de pedra - Lygia Fagundes Telles

"Crispou as mãos como se pudesse agarrar as rédeas do pensamento que corcoveava por aquele caminho detestável, ah, mas era preciso puxá-lo para outro lado, com força, com força!"

"Por que tranquilidade ou indiferença, no fundo, não eram a mesma coisa?"

"– Você acredita em Deus? – perguntou ela após algum tempo.
– Antes, deduzi que Ele devia existir. Mas fui além, depois. O fato é que nesta minha vida assim de solidão, eu pensava ter escalado toda aquela escada de que fala Platão, você se lembra disso? No primeiro degrau, o simples amor pelas coisas terrenas, pelas belas coisas terrenas. Progredindo, chega-se às belas formas, das belas formas ao belo proceder, do belo proceder aos belos princípios, dos belos princípios ao princípio último, que é o da beleza absoluta. raciocinei, e a beleza absoluta só pode ser Deus.
Calou-se. Acendeu um cigarro.
– Como vê, tudo assim formal, calculado. Mas uma tarde, na chácara, eu olhava uma teia de aranha e então aconteceu isso, senti em redor a presença Dele. No céu, o sol lançava raios vermelhos e retos, iguais aos que as crianças traçam nos seus desenhos, iguais aos ingênuos resplendores dos santinhos de papel. Vi então que Ele estava na tarde, no todo imenso e na parte ínfima, estava na luz do sol e na sombra rendada que a teia da aranha projetava no chão, estava nas folhas aos meus pés e estava naquele passarinho que passou como uma seta sobre minha cabeça. Quando respirei, era como se estivesse respirando Deus."

"Creio, sim, na sobrevivência da alma, mas isto porque sinto os meus mortos em redor. Eles continuam, embora nenhuma força consiga governá-los. Mortos e vivos, estão todos por aí, completamente soltos. E a confusão é geral."

"Ouça, Virgínia, é preciso amar o inútil. Criar pombos sem pensar em comê-los, plantar roseiras sem pensar em colher rosas, escrever sem pensar em publicar, fazer coisas assim, sem esperar nada em troca. A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta, mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas. A música – acrescentou, detendo-se ao ouvir os sons de um piano num exercício ingênuo. – Este céu que nem promete chuva – prosseguiu. – Aquela estrelinha que está nascendo ali... Está vendo aquela estrelinha? Há milênios não tem feito nada, não guiou os Reis Magos, nem os pastores, nem marinheiros perdidos. Não faz nada. Apenas brilha. Ninguém repara nela porque é uma estrela inútil. Pois é preciso amar o inútil porque no inútil está a Beleza. No inútil também está Deus."

"'Feliz Ano Novo! Pois sim!' – sussurrou Virgínia ao apertar a campainha do apartamento de Letícia. Difícil encontrar um voto mais ocioso, mais formal. Podia-se desejar uma tarde feliz, uma noite feliz, um dia inteiro feliz, no máximo. Mas um ano? Felizes, só mesmo os egoístas, os alienados como Otávia. Os contemplativos como Conrado. Ou então, os inconsciente como Rogério."

"Ouça, querida – disse-lhe Otávia certa vez –, não fique assim com essa mentalidade de donzela folhetinesca, não separe com tanta precisão os heróis dos vilões, cada qual de um lado, tudo muito bonitinho como nas experiências de química. Não há gente completamente boa nem gente completamente má, está tudo misturado e a separação é impossível. O mal está no próprio gênero humano, ninguém presta. Às vezes a gente melhora. Mas passa."

"Essa coisa de Natal, também... É preciso acabar com essa história que é de uma melancolia incrível, não se falará em Natal.
'Mas se pensará nele', disse Virgínia a si mesma. Ah! A obrigação de abraçar e ser abraçada, aquela necessidade de comunicação, de calor... Era cruel demais para quem estava na solidão."