Lavoura arcaica - Raduan Nassar

"É através da paciência que nos purificamos, em águas mansas é que devemos nos banhar, encharcando nossos corpos de instantes apaziguados, fruindo religiosamente a embriaguez da espera no consumo sem descanso desse fruto universal, inesgotável, sorvendo até a exaustão o caldo contido em cada bago, pois só nesse exercício é que amadurecemos, construindo com disciplina a nossa própria imortalidade, forjando, se formos sábios, um paraíso de brandas fantasias onde teria sido um reino penoso de expectativas e suas dores."

"E quanto mais engrossam a casca, mais se torturam com o peso da carapaça, pensam que estão em segurança mas se consomem de medo, escondem-se dos outros sem saber que atrofiam os próprios olhos, fazem-se prisioneiros de si mesmos e sem sequer suspeitam, trazem na mão a chave mas se esquecem que ela abre, e, obsessivos, afligem-se com seus problemas pessoais sem chegar à cura, pois recusam o remédio."

"E fica também mais pobre o pobre que aplaude o rico, menor o pequeno que aplaude o grande, mais baixo o baixo que aplaude o alto, e assim por diante. Imaturo ou não, não reconheço mais os valores que me esmagam, acho um triste faz-de-conta viver na pele de terceiros, e nem entendo como se vê nobreza no arremedo dos desprovidos; a vítima ruidosa que aprova seu opressor se faz duas vezes prisioneira."

Entrevista com o vampiro - Anne Rice

"Mas, em algum momento, todos devemos nos deitar em caixões."

"Por que isto o torna tão perverso quanto qualquer vampiro? Não há gradações de perversidade? Será o mal um imenso e perigoso poço onde se cai ao primeiro pecado, mergulhando até o fundo?"

"– Então não somos... – cheguei para frente. – ... os filhos de Satã?
– Como poderíamos ser filhos de Satã? – perguntou. – Acredita que Satã criou este mundo que nos cerca? 
– Não, creio que Deus o criou, se é que alguém o fez. Mas Ele também fez Satã, e quero saber se somos seus filhos!
– Exatamente. Se você acredita que Deus criou Satã, deve compreender que todos os poderes de Satã provêm de Deus, que Satã é simplesmente filho de Deus, e que nós também o somos. Na verdade, não há filhos de Satã."

"Não sabia que pensava aquelas coisas. Falava ao mesmo tempo em que os pensamentos se construíam. E eles eram meus sentimentos mais profundos tomando uma forma que jamais adquiririam se eu não falasse sobre eles, se não os tivesse deixado sair em conversa com outro vampiro. Neste momento me vi, em certo sentido, como uma mente passiva. Isto é, só conseguia me expressar, formular pensamentos diferentes do emaranhado de melancolia e dor quando provocado por outra mente, fertilizado por ela, profundamente excitado por essa outra mente e levado a tirar conclusões. Senti um alívio incrível e profundo para a minha solidão."

"Acho que levei as mãos à cabeça como fazem os mortais quando se sentem tão perturbados que institivamente escondem a face, apertando o cérebro como se pudessem atravessar o crânio e massagear o órgão vivo para sair de sua agonia."

"Os homens eram capazes de males muito maiores do que os vampiros."

"Quantos vampiros você pensa que têm condições para a imortalidade? Para começar, têm uma visão completamente distorcida da imortalidade. Ao se tornarem imortais, querem que todas as características de suas vidas permaneçam imutáveis; carruagens seguindo sempre a mesma moda, roupas com cortes ao seu gosto, homens se comportando e falando do mundo que sempre compreenderam e apreciaram. Quando, na verdade, tudo muda, exceto o próprio vampiro. Tudo, a não ser o vampiro, está sujeito a corrupções e distorções constantes. Em pouco tempo, com uma mente inflexível, e geralmente mesmo para as mentalidades mais flexíveis, esta imortalidade torna-se uma sentença a ser cumprida num asilo de vultos e formas inexoravelmente incompreensíveis e sem valor. Numa noite o vampiro acorda e percebe aquilo que há décadas temia: que simplesmente não quer mais viver, a qualquer preço. O estilo, moda ou forma de existência que tornaram a imortalidade tão atraente foram varridos da face da terra."

A paixão segundo G. H. - Clarice Lispector

"Minha pergunta, se havia, não era: 'que sou', mas 'entre quais eu sou'. Meu ciclo era completo: o que eu vivia no presente já se condicionava para que eu pudesse posteriormente me entender. Um olho vigiava minha vida. A esse olho ora provavelmente eu chamava de verdade, ora de moral, ora de lei humana, ora de Deus, ora de mim. Eu vivia mais dentro de um espelho. Dois minutos depois de nascer eu já havia perdido as minhas origens."

"A hora de viver era um ininterrupto lento rangido de portas que se abrem continuamente de par em par. Dois portões se abriam e nunca tinham parado de se abrir. Mas abriam-se continuamente para – para o nada?"

"Perder-se é um achar-se perigoso."

"A verdade não pode ser má. A verdade é o que é."

"E nós sabemos Deus. E o que precisamos Dele, extraímos. (Não sei o que chamo de Deus, mas assim pode ser chamado.) Se só sabemos muito pouco de Deus, é porque precisamos pouco: só temos Dele o que fatalmente nos basta, só temos de Deus o que cabe em nós. (A nostalgia não é do Deus que nos falta, é a nostalgia de nós mesmos que não somos bastante; sentimos falta de nossa grandeza impossível – minha atualidade inalcançável é o meu paraíso perdido.)"

Mentiras no divã - Irvin D. Yalom

"Você já trabalhou com pacientes quando eles estão esperando pelos resultados do teste do HIV? Não? Bem, Ernest, esse período de espera é uma janela de oportunidade. Você pode usá-la para fazer muito trabalho. Durante alguns dias, os pacientes se veem face a face com sua própria morte, possivelmente pela primeira vez. É um período em que você pode ajudá-los a examinar e organizar suas prioridades, para basear suas vidas e seu comportamento nas coisas que realmente contam. Terapia de choque existencial, é como eu chamo às vezes."

"Acredite em mim: se você interromper um ciclo autodestrutivo de comportamento, não importa como você faça, você terá realizado algo importante. O primeiro passo tem de ser interromper o ciclo vicioso do ódio de si mesmo, autodestruição e, depois, mais ódio de si mesmo por causa da vergonha do seu próprio comportamento."

"Não, não suicida, embora admita que me sinto atraído pela escuridão. Mas sou um sobrevivente." 

"Há responsabilidade e há fanatismo com máscara de responsabilidade."

"Ernest estava muito admirado com o artista latente em todos os seus pacientes; muitas vezes, ele quis tirar seu chapéu em homenagem ao criador de sonhos inconsciente que, noite após noite, ano após ano, teceu obras-primas de ilusão."

"Você sabe que habitualmente comemoramos os aniversários como se fossem ocasiões para alegria, mas sempre acreditei que o oposto era verdadeiro – que os aniversários são marcadores tristes de nossas vidas passando e que a comemoração do aniversário é uma tentativa de negar a tristeza."

"Existe algo de alarmante em ser tão profundamente programado pelos primeiros eventos da vida."