Sidarta - Hermann Hesse

"Quem me dera olhar, sorrir, caminhar, manter-me sentado à sua maneira, com esse quê de liberdade, de dignidade, de discrição, de ingenuidade, de franqueza e de mistério! Realmente assim só se pode olhar e caminhar quem estiver penetrado no âmago de sua personalidade. Pois então, também eu me empenhava em penetrar no âmago da minha alma."

"Nada nesse mundo preocupou-me tanto quanto esse eu, esse mistério de estar vivo, de ser um indivíduo, de achar-me separado e isolado de todos os demais."

"Os conhecimentos podem ser transmitidos, mas nunca a sabedoria." 

"O que é a meditação? O que é o abandono do corpo? Que significa o jejum? E a suspensão do fôlego? São modos de fugirmos de nós mesmos. São momentos durante os quais o homem escapa à tortura de seu eu. Fazem-nos esquecer, passageiramente, o sofrimento e a insensatez da vida. A mesma fuga, o mesmíssimo esquecimento, o boiadeiro encontra-os na estalagem, quando bebe algumas tigelas de vinho de arroz ou de leite de coco fermentado. Então cessa de sentir o seu eu, cessa de padecer dores, anestesia-se por algum tempo. Ao adormecer, junto à tigela de vinho de arroz, consegue o mesmo efeito que provocam Sidarta e Govinda, cada vez que, depois de prolongados exercícios, se distanciam de seus corpos, a fim de entrarem no não eu."

"Mergulhava até o fundo dessa emoção, assim como se mergulha na água, para alcançar-se o ponto onde repousam as causas. Pois lhe parecia que o verdadeiro pensar consistia no reconhecimento das causas e que, desse modo, o sentir se convertia em saber, o qual, em vez de dissipar-se, criaria forma concreta e irradiaria o seu teor."

"Ao observar aquela existência infantil ou animalesca que levavam os seres humanos, ao mesmo tempo adorava e desprezava tal estilo de vida. Via como labutavam, sofriam, envelheciam por causa de assuntos que não lhe pareciam valer tamanho esforço e como se empenhavam em obter dinheiro, prazeres minúsculos, honrarias insignificantes. Ouvia como se censuravam e se insultavam mutuamente, como choravam suas dores que fariam rir a um samana, e notava o quanto lhes custavam certas privações que um samana nem sequer sentiria."

"No teu íntimo há calma e asilo, e a qualquer instante podes retirar-te dali, para estares a sós contigo mesma, assim como eu também o sei fazer. Poucos homens têm essa faculdade e, todavia, não há nenhum que não possa gozar dela."

"Os homens do mundo, aqueles tolos, permaneciam estranhos a ele, assim como o próprio Sidarta sempre se sentia um estranho em seu meio."

"Não te esqueças, meu querido: o mundo das configurações altera-se a cada instante. Perecíveis, sumamente perecíveis são os nossos trajes e os penteados dos nossos cabelos, assim como também os próprios cabelos e corpos."

"Careci passar por tamanha insensatez, por tantos vícios e erros, por um sem número de desgostos, desilusões, tristezas, só para voltar a ser criança e para começar de novo."

"Olha, há mais uma coisa que a água já te mostrou: que é bom descer, abaixar-se procurar as profundezas."

" Quando alguém procura muito – explicou Sidarta – pode facilmente acontecer que seus olhos se concentrem exclusivamente no objeto procurado e que ele fique incapaz de achar o que quer que seja, tornando-se inacessível a tudo e a qualquer coisa porque sempre só pensa naquele objeto, e porque tem uma meta, que o obceca inteiramente. Procurar significa: ter uma meta. Mas achar significa: estar livre, abrir-se a tudo, não ter meta alguma. Pode ser que tu, ó Venerável, sejas realmente um buscador, já que, no afã de te aproximares da tua meta, não enxergas certas coisas que se encontram bem perto dos teus olhos."

Prisioneiras - Drauzio Varella

"Há anos procuro entender as razões que levam as famílias a visitar o parente preso, enquanto esquecem a irmã, a filha ou a mãe no cárcere. Talvez porque a prisão de uma filha ou da mãe envergonhe mais do que a de um filho ou do pai, já que a experiência da sociedade é ver as mulheres 'no seu lugar", obedientes e recatadas. O preconceito sexual faz parte desse contexto. O bandido pode ser considerado mau-caráter, desalmado, perverso, mas ninguém questiona sua vida sexual. A mulher, além dos mesmos rótulos, recebe o de libertina, ainda que virgem. Fica subentendido que se ela rouba, trafica ou assalta é sexualmente promíscua."

"– Depois do que o senhor me ajudou, não tem do que se desculpar, doutor.
– Que ajuda?
– O senhor me examinou e ouviu a história da minha vida."

Adeus às armas - Ernest Hemingway

"– Nós pensamos em tudo. Nós lemos. Não somos camponeses. Somos motoristas. Mas mesmo os camponeses sabem o que é a guerra. Todos odeiam esta guerra.
– Há uma classe que controla o país, uma classe estúpida que não compreende nada e jamais vai compreender. Por isso é que temos essa guerra.
– E porque há quem ganhe dinheiro com ela. 
– A maioria nem isso – observou Manera. – São estúpidos demais. Fazem a guerra de graça. Por estupidez."

"Disse que estávamos fritos, mas que tudo continuaria bem enquanto o povo ignorasse isso. Estávamos todos fritos. O problema era não assumir isso diante do povo. O último país a saber que estava frito venceria a guerra."

"– Só penso que os austríacos não interromperão a luta depois de uma onda de vitórias. É na derrota que os homens se tornam cristãos."

"Aos que trazem coragem a este mundo, o mundo precisa quebrá-los para conseguir eliminá-los, e é o que faz. O mundo os quebra, a todos; no entanto, muitos deles se tornam mais fortes, justamente no ponto onde foram quebrados. Mas aos que não se deixam quebrar, o mundo os mata. Mata os muito bons, os muito meigos, os muito bravos – indiferentemente. Se vocês não estão em nenhuma dessas categorias, o mundo vai matar vocês do mesmo modo. Apenas não terá pressa em fazer isso."