O Grande Mentecapto - Fernando Sabino

“Sentia uma emoção tomá-lo de repente, que era a um tempo o medo da morte e uma vontade de partir. Nada ele desejava mais na vida que um dia tomar o trem e ir para longe, longe de todos, para um lugar que não sabia onde.”

“Estava, por assim dizer, num instante de transição em que a existência parece pairar em suspenso entre dois vazios ou entre dois mistérios que se completam.”

“Não havia mais nada em que se agarrar para sobreviver. (...) Se alguma coisa lhe restava no espírito, era apenas a consciência disso.”

“Tudo quieto e parado, em suspenso. Até ali não chegava a confusão do mundo. Geraldo Viramundo parecia ter saído do mundo. O tempo havia parado.”

“Este ser engasgado, contido, subjugado pela ordem iníqua dos racionais é o verdadeiro fulcro da minha verdadeira natureza, o cerne da minha condição de homem, herói e pobre-diabo, pária, negro, judeu, índio, cigano, santo, poeta, mendigo e débil mental, Viramundo! que um dia há de rebelar-se dentro de mim, enfim liberto, poderoso na sua fragilidade, terrível na pureza de sua loucura.”

“Por que Viramundo agora se sentia pouco à vontade dentro de igrejas? Era o que ele se perguntava... (...) Que sentido têm as coisas? – o grande mentecapto perguntou a si mesmo, sentando-se num banco da nave àquela hora vazia, e veio-lhe de súbito a consciência da própria mentecapcidade, tão despropositada quanto a minha ousadia em escrever semelhante palavra. Não entendia mais nada de nada – e tal desentendimento o atingia tão fundo, que Geraldo Viramundo pôs-se a chorar.”

“Mas daquela feita o choro era fruto de suas meditações, ao passo que agora decorria de constatação nascida da mesma dúvida que o levara, em menino, a interpelar o padre Limeira em Rio Acima: meditar em quê? Não havia mesmo nada sobre que meditar, concluía agora. Sentia-se completamente vazio por dentro, numa solidão sem remédio.”

“O raio que coriscou na sua cabeça naquele instante, dando-lhe uma fulminante consciência da iniqüidade que prevalece neste mundo, foi demais para a sua inocência, matou o menino que ele trazia dentro de si. Matou o menino.”