Kafka à beira-mar - Haruki Murakami

"Você pode ir para longe, muito longe, sem que isso signifique que conseguiu fugir daqui de maneira definitiva. Acho que não deve depositar muita esperança nessa questão da distância, entendeu?"

"Em certas ocasiões, o destino se assemelha a uma pequena tempestade de areia, cujo curso sempre se altera. Você procura fugir dela e orienta seus passos noutra direção. Mas então, a tempestade também muda de direção e o segue. Você muda mais uma vez seu rumo. A tempestade faz o mesmo e o acompanha. As mudanças se repetem muitas e muitas vezes, como num balé macabro que se dança com a deusa da morte antes do alvorecer. Isso acontece porque a tempestade não é algo independente, vindo de um local distante. A tempestade é você mesmo. Algo que existe em seu íntimo. Portanto, o único recurso que lhe resta é se conformar e corajosamente pôr um pé dentro dela, tapar os olhos e ouvidos com firmeza a fim de evitar que se encham de areia e atravessá-la passo a passo até atingir o outro lado."

"Não sei se me julgavam desagradável, ou se tinham medo de mim, mas a verdade é que eu gostava de ser solitário. Eu tinha tanta coisa para fazer... Nos intervalos, eu sempre ia à biblioteca e lia muitos livros com avidez."

"Nem sempre eu conseguia defender essa tranquila independência. Às vezes, a cerca, que eu pensava haver erguido bem alto em torno de mim, ruía por completo. Não foram muitas as vezes em que isso aconteceu, mas houve algumas. Sempre que eu me desse conta disso, a parede desaparecia e, de repente, eu me via completamente nu e exposto perante o mundo. Nessas ocasiões, eu me perturbava por completo."

"– Já não dizia um velho ditado que 'encontros fortuitos...'
– '... o destino estabelece' – completo.
– Isso, isso mesmo – dizia ela. – Que significa?
– Que todos os acontecimentos, mesmo os mais fortuitos, são cármicos, foram preparados em vidas anteriores. Que coincidências não existem."

"Sou livre, penso. Fecho os olhos e considero por instantes a ideia de liberdade. Não consigo entender direito o que significa ser livre. Entendo apenas que, neste momento, estou sozinho. Estou sozinho em terra estranha. Como um explorador que perdeu a bússola e mapa. Ser livre é isso? Não sei. Desisto de pensar."

"Dentro de cem anos, provavelmente todas as pessoas aqui presentes (assim como eu) terão desaparecido da face da Terra e se transformado em lixo ou em cinzas. Penso nisso e me sinto estranho. Tudo ao meu redor adquire as características de uma frágil ilusão. Como se à menor aragem tudo pudesse se espalhar e sair voando pelos ares. Abro minhas duas mãos e as contemplo fixamente. Afinal, por que me esforço tanto em fazer o que eu faço? Por que continuo a viver tão desesperadamente?" 

"Então, sob o resplandecente céu noturno, sou acometido por nova e violenta onda de pavor. O ar me falta e o coração se acelera. Eu vivera sob o intenso escrutínio destas incontáveis estrelas, mas nem me dera conta de que existiam. Jamais me passara pela cabeça considerá-las com seriedade. Aliás, não só elas. Pois quantas coisas além delas não haveria no mundo de cuja existência eu não tinha a menor ideia ou não me dera conta? Penso nisso e me sinto irremediavelmente pequeno e incapaz."

"Retiro o fone dos ouvidos e ouço o silêncio. O silêncio é realmente audível. Sei disso agora."

"A bateria do meu walkman descarregou, mas a música não me faz tanta falta como a princípio imaginei que faria. Encontro substitutos para ela em toda parte: no canto dos pássaros, no cricrilar de inúmeros insetos, no burburinho do regato, no farfalhar do vento nas árvores, nos passos ligeiros sobre o telhado, no gotejar da chuva... E também nos sons misteriosos que por vezes me chegam ao ouvido, inexplicáveis, inexprimíveis em palavras. Até agora, não me dera conta da infinidade de sons puros e maravilhosos que povoam a natureza. Eu vivera a minha vida inteira sem me dar conta desse tesouro maravilhoso. Para compensar o tempo perdido, sento-me na varanda, fecho os olhos e me anulo para melhor captar todos os sons existentes ao meu redor."

"– E por falar em contradições – diz Oshima como se a ideia de repente lhe ocorresse –, sabe o que eu penso de você desde o primeiro momento em que o vi? Que, por um lado, você busca alguma coisa intensamente e, por outro, faz de tudo para fugir dessa coisa."

"Os únicos seres com quem se comunicava plenamente eram os gatos. Nos dias de folga, ia para um parque próximo, sentava-se num banco até o fim do dia e conversava com eles. Curiosamente, nunca se via sem assunto nessas ocasiões."

"– Começo a achar que, para você, essa mochila simboliza a liberdade – comenta Oshima.
– Provavelmente – eu digo.
– Pode ser que carregar consigo o símbolo da liberdade lhe dê mais prazer do que ter nas mãos a liberdade propriamente dita.
– Algumas vezes... – eu digo."

"– Meu jovem, pode ser que a grande maioria das pessoas existentes no mundo não esteja em busca de liberdade. As pessoas apenas pensam que estão. Tudo é ilusório. Caso a liberdade lhes fosse realmente concedida, a maioria se veria num mato sem cachorro. Lembre-se sempre disso. Na verdade, as pessoas gostam de se sentir presas, entendeu? 
– Você também, Oshima?
– Sim, eu também gosto de me sentir preso. Isto é, até um certo ponto – emenda Oshima. – Jean-Jacques Rousseau declarou: a civilização teve início no momento em que a humanidade aprendeu a construir muros. Um rasgo de genialidade. Exatamente, a civilização é o produto da falta de liberdade intramuros."

"O que eu busco, isto é, a força que eu busco, não se relaciona com vitórias ou derrotas. Tampouco procuro paredes capazes de rechaçar forças externas. O que eu busco é a força que me permita enfrentar a quem vem de fora e resistir a ela. Um tipo de força que me permita suportar com serenidade a injustiça, a falta de sorte, a tristeza, o mal-entendido e a incompreensão."

"Nossa existência é apenas um teatro de sombras desse princípio. O vento sopra. Há vendavais de furioso poder destrutivo, há brisas reconfortantes. Mas todo vento um dia cessa e desaparece. O vento não é matéria sólida. É mero nome que se dá aos deslocamentos de ar. Você apura os ouvidos. E decifra o sentido dessa metáfora."

"– Senhora Hoshino – disse Nakata.
– Hum?
– Que coisa linda é o mar, não?
– Realmente. Olhar para ele acalma o espírito.
– E por que será que olhar para o mar acalma o espírito? 
– Talvez porque ele é grande e não tem nada sobre ele – disse o rapaz, apontando o mar alto. – Aposto que não teria um efeito tão calmante se houvesse uma loja de jogos eletrônicos naquele ponto e um enorme painel anunciando Casa de Penhores Yoshikawa. É simplesmente fantástico não ter nada até onde a vista alcança."

"Existe um mundo paralelo, contíguo a este em que vivemos. Você é capaz de entrar nele até um certo ponto. É também capaz de voltar de lá são e salvo. Contanto que esteja atento. Mas uma vez transposto certo ponto, nunca mais será capaz de voltar. Não vai mais achar o caminho. É um labirinto."