O dilema do porco-espinho - Leandro Karnal

"É um sentimento amplo, poderoso e fundamental. Uma criança cria amigos imaginários para viver suas fantasias. Dizem que é saudável. Que seres seríamos capazes de inventar para não reconhecer nossa solidão?"

"De todos os antídotos contra a solidão, a leitura é um dos mais criativos. Aqui estamos, eu sozinho ao escrever, e você sozinho ou sozinha ao ler. Aqui, duas solidões se encontram, trocam ideias, pensam e, efeito fascinante, transmutam o estar só em pensar e compartilhar. Só na solidão você é você e só na solidão eu sou eu. Na leitura solitária, somos dois autênticos viajantes isolados que, por um breve instante, aceitam conversar com um estranho fortuito."

"Estamos viciados na poluição sonora que teme ouvir os próprios pensamentos, daí ligar vários aparelhos ao mesmo tempo para abafar os gritos da consciência. Não há como fugir da constatação de que quanto mais consciente for, mais solitário se sentirá."

"Estar sozinho e bem requer maturidade e equilíbrio. Desequilibrados, inseguros e aqueles com vazios impreenchíveis na alma tremem diante da possibilidade de estar sem alguém do lado. Casais com muita vivência e equilibrados podem passar horas sozinhos. Um está ouvindo música, o outro, lendo. Podem passar horas sem se falar. Dias, semanas sem se ver, em viagem para destinos diferentes. Quando estão juntos, todavia, estão um com o outro e um para o outro. Ligam para o outro, conversam, de verdade, com intimidade e cumplicidade. Adélia Prado, em seu poema Casamento, escreve lindamente sobre isso quando nos diz da mulher, que adora tirar as escamas dos peixes pescados pelo marido, junto dele, em silêncio, na cozinha: ‘É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,/ de vez em quando os cotovelos se esbarram,/ ele fala coisas como ‘este foi difícil’/ ‘prateou no ar dando rabadas’/ e faz o gesto com a mão./ O silêncio de quando nos vimos pela primeira vez/ atravessa a cozinha como um rio profundo.’ O casal fala pouco, mas está efetivamente junto. O texto termina dizendo que ambos deitam como noivo e noiva, após muito silêncio e companheirismo, a solidão do tempo em que um foi pescar e o outro esteve em casa. Trocando em miúdos, o problema não e estarem sozinhos ou o silêncio, é a falta de comunicação, a distância de almas."

"O mundo que nos formou morre antes de nós. Quando nos tornarmos velhos, nossas referências de mundo já caducaram. Alguém com 90 anos ouviu Carmem Miranda na infância. Com quem conversa sobre isso numa festa apenas com pessoas mais jovens?"